Pan-Americanismo - Primeira Conferência Internacional Americana (Washington 1889) |
No século XIX, em meio ao processo de emancipação da América Espanhola, manifestações de ideais pan-americanos evidenciaram-se através de projetos formulados por representantes da elite hispano-americana.
Juan Martínez de Rosas, integrante da Primeira Junta Governativa e autor da Declaração dos Direitos do Povo Chileno, defendeu o princípio de solidariedade entre o Chile e as demais sociedades hispano-americanas e a necessidade de unir todos os povos americanos em uma confederação a fim de garantir a independência contra os planos da Europa e de evitar conflitos inieramericanos.
Esses princípios igualmente foram sustentados por Bernardo O`Higgins que assumiu a liderança da luta pela independência do Chile.
Jose de San Martín e o Coronel Bernaldo Monteagudo, argentinos que participaram das guerras de libertação do seu país, do Chile e do Peru, expuseram a idéia de realizar um congresso pan-americano para melhor resistir a eventuais ameaças da Espanha contra suas colônias que se emancipavam.
Foi tanto a necessidade de defesa contra a ameaça representada pela Europa assim como as raízes históricas e geográficas comuns que forjaram o ideal pan-americano, o qual deve ser entendido como um movimento de solidariedade continental a fim de manter a paz nas Américas, preservar a independência dos Estados americanos e estimular seu inter-relacionamento.
O projeto de solidariedade continental, no entanto, foi desenvolvido sob duas modalidades distintas: o Bolivarismo e o Monroísno.
Bolivarismo
O Bolivarismo representa a visão pan-americana concebida por Simon Bolívar (1783-1830), venezuelano que dirigiu a luta pela independência da Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Equador.
Em vários escritos (cartas e proclamações) defendeu a necessidade de união face à possível contra-ofensiva da Espanha, apoiada pela Santa Aliança.
Essa idéia de união das sociedades americanas, Bolívar apresentara antes mesmo da Carta da Jamaica. Sua exposição prática já é perceptível em um artigo que Bolívar escreveu para o Morning Chronicle, de Londres (5 de setembro de 1810), dizendo que se os venezuelanos fossem obrigados a declarar guerra à Espanha convidariam todos os povos da América a eles se unirem em uma confederação.
O plano surge novamente no Manifesto de Cartagena, escrito por Bolívar em 1812, e mais claramente em 1814, quando, como libertador da Venezuela, enviou a circular que condicionou a liberdade dos novos Estados ao que ele chamou de "união de toda a América do Sul em um único corpo político" (...) e, em 1818, respondendo à mensagem de saudação, enviada a Angostura pelo director argentino, Pueyrredón, declarava que," tão logo a guerra de independência estivesse terminada, procuraria formar um pacto americano, e esperava que as Províncias do Rio da Prata se unissem a ele."
Na prática, criou a Grã-Colômbia (1819), de duração efêmera; em 1830, no mesmo ano após a morte do criador, terminou a Grã-Colômbia, fragmentada em três Estados; Venezuela, Equador e Colômbia, à qual se integrava o Panamá. Seus esforços no sentido de unir o Peru e a Bolívia foram infrutíferos diante da resistência oposta pelo prufundo regionalismo daquelas sociedades sul-americanas.
Entretanto, Bolívar não desanimou de lutar pela fraternidade pan-americana e, em dezembro de 1824, enviou nota-circular aos govemos americanos convidando-os a se reunir para organizar uma confederação.
Quase dois anos depois reuniu-se o Congresso do Panamá, com sessões entre 22 de junho e 15 de julho de 1826. Nesta data, aprovou-se a continuação das discussões em Tacubaya, no México, mas a decisão não foi cumprida.
Considerado por diversos historiadores como a primeira grande manifetação do Pan-Americanismo, o Congresso do Panamá aprovou:
- um Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre os Estados hispano-americanos;
- a cota que caberia a cada país para a organização de uma força militar de 60.000 homens para a defesa comum do hemisfério;
- a adoção do princípio do arbitramento na solução dos desacordos interamericanos;
- o compromisso de preservar a paz continental;
- a abolição da escravidão.
Ao Congresso compareceram apenas os representantes da Grã-Colômbia, Peru, México e Províncias Unidas de Centro-América. Os EUA também enviaram observadores.
O Congresso do Panamá, manifestação concreta de solidariedade continental, contudo, acabou sendo um fracasso, para isso contribuindo:
a) a resistência dos EUA que pretendiam expandir-se pelas Antilhas e temiam a difusão de movimentos de abolição da escravidão;
b) a opusição do Brasil, cuja Monarquia era contrária a regimes republicanos e temia a propagação das idéias anti-escravistas;
c) D. Pedro I chegou inclusive a enviar a Missão Santo Amaro à Europa com a incumbência de negociar com Metternich, Primeiro-Ministro da Austria e verdadeiro dirigente da Santa Aliança, o uso de forças militares brasileiras para substituir os governos republicanos americanos por Monarquias confiadas a Príncipes europeus;
d) as manobras da Inglaterra, não só porque George Canning, Ministro das Relações Exteriores, não tinha interesse na organização de uma América forte e coesa, como também porque temia a formação de um sistema americano sob a direção dos EUA, o que poderia criar problemas à expansão econômica inglesa;
e) não terem sido ratificadas, posteriormente, as decisões tomadas.
Os ideais do Pan-Americanismo bolivarista, porém, continuaram vivos, e novos congressos foram reunidos para discutir assuntos diversos dentro do espírito desolidariedade continental.
Dessas reuniões o Brasil e os EUA foram excluídos: os Estados Unidos, por causa de seu expansionismo territorial, envolvendo inclusive a anexação de terras mexicanas, e o Brasil, devido a suas constantes intervenções no Prata, políticas essas contrárias à solidariedade continental.
Com representantes da Bolívia, Chile, Peru, Equador e Colômbia reuniu-se a Conferência de Lima (1847). Nela foram tratados princípios do Direito americano,intervenção, agressão, reparações, limites, como também dispositivos práticos sobrecomércio, navegação fluvial, serviços postais e consular, extradição.
Em 1856, celebrou-se a Conferência de Santiago, quando o Peru, o Chile e o Equador firrnaram o compromisso de estabelecer a união da "grande família americana".
No mesmo ano, Chile e Argentina concluíram acordo comercial estabelecendo o fim das barreiras alfandegárias entre os dois países; a chamada "cordilheira livre" funcionou até 1868, quando foi suprimida, uma vez que o govemo chileno pretendeu estender aos produtos importados de outras nações os privilégios concedidos apenas aos produtos argentinos e chilenos.
Por iniciativa peruana reuniu-se a Segunda Conferência de Lima (1864), a fim de estabelecer uma confederação de caráter defensivo.
Peru, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Argentina e Venezuela concordaram em organizar uma confederação, pois se sentiam ameaçados pelas freqüentes intervenções estrangeiras que se processavam no continente e constituíam um perigo à segurança dos Estados americanos.
Assim é que, em 1855, o aventureiro norte-americano William Walker invadiu e conquistou a Nicarágua; em 1861, a Espanha ocupou São Domingos e estabeleceu seu protetorado até 1865; em 1861-1862, Espanha, França e Inglaterra desembarcaram tropas na República Mexicana, onde Napoleão III instaurou a efêmera Monarquia de Maximiliano de Habsburgo (1863-1867); em 1864, uma esquadra espanhola ocupara as ilhas peruanas de Chinchas, em incidente que acabou levando ao conflito do Peru e Chile contra a antiga metrópole (1866).
O Império Brasileiro evitou a reunião de Lima, para não ver discutida a sua política no Prata. Na Câmara brasileira, entretanto, foi mais tarde criticada a nossa ausência. Dos tratados assinados nenhum chegou a ser integralmente aplicado. Ao espírito primitivo de regionalismo, sucedia um sentimento de nacionalismo.
Animados de sentimentos pan-americanos bolivaristas, outros congressos reuniram juristas sul-americanos: Lima (1874), Caracas (1883) e Montevidéu (1888). Em Montevidéu chegou a se projetar um Código Interamericano, incluíndo questões comuns do Direito Intemacional e Privado.
Animados de sentimentos pan-americanos bolivaristas, outros congressos reuniram juristas sul-americanos: Lima (1874), Caracas (1883) e Montevidéu (1888). Em Montevidéu chegou a se projetar um Código Interamericano, incluíndo questões comuns do Direito Intemacional e Privado.
Desse modo, apesar dos fracassos ocorridos, os ideais do Pan-Americanismo bolivarista lançaram as bases da solidariedade continental assentada em posição de igualdade entre todos os Estados.
MONROÍSMO
O Monroísmo representa a visão norte-americana do Pan-Americanismo, bem distinta do Bolivarismo e fundada no predomínio dos EUA sobre os demais Estados americanos.
Sua primeira manifestação foi a Mensagem Presidencial de James Monroe enviada ao Congresso dos EUA (1823). Nela, Monroe negava aos europeus o direito de intervenção no continente americano, seja para criar áreas de colonização, seja para suprimir a independência recém-conquistada pela maioria dos Estados americanos.
A análise do documento evidencia que os Estados Unidos opunham-se à Europa da Santa Aliança:
1°) devido à preocupação norte-americana com a sua própria segurança, uma vez que a política da Santa Aliança, marcada por intervenções armadas, visava a presérvar as instituições monárquicas e ccmbater os regimes republicanos; ora, precisamente em 1823 occrrera a intervenção francesa (determinada no Congoesso de Verona, de 1822) na Espanha, onde foram restaurados os poderes monárquiccs de Fernando VII, a qual poderia se desdobrar em intervenção nas Repúblicas da América;
2°) devido aos projetos territoriais expansionistos dos EUA, que pretendiam avançar suas fronteiras até o litoral do Pacífico. Esses objetivos contrariavam interesses ingleses no noroeste da América, pois norte-americanos e britânicos disputavam o domínio do Oregon.
Por isso, John Quincy Adams, Secretário de Estado, havia aconselhado o Presidente Monroe a rejeitar as propostas de George Canning, Ministro inglês, no sentido de Estados Unidos e Inglaterra formularem uma nota conjunta opondo-se à política de intervenção da Santa Aliança:
"Deve ser mais simples (...) do que surgirmos como um simples escaler na esteira de um poderoso navio de guerra inglês."
Além do mais, o govemo de Washington preocupava-se com o avanço da Rússia: em documento de setembro de 1821, o Czar Alexandre I afirmara direitos russos sobre terras e águas do noroeste da América Setentrional, desde o Alasca até a Califómia. Impunha-se, então, aos dirigentes norte-americanos impedir a ampliação do colonialismo europeu por territórios do Novo Mundo;
3°) devido ao interesse norte-americano em garantir um comércio livre com paísesindependentes. A inter-relação da economia com a política torna-se evidente ao constatarmos que o govemo dos EUA foi dos primeiros a estabeleoer relações diplomáticas com os novos Estados surgidos com a conquista da independência.
Desse modo, a Mensagem de Monroe representou antes de mais nada "a expansão de uma política nacional cuja aplicação cabia unicamente ao govemo dos Estados Unidos".
3°) devido ao interesse norte-americano em garantir um comércio livre com paísesindependentes. A inter-relação da economia com a política torna-se evidente ao constatarmos que o govemo dos EUA foi dos primeiros a estabeleoer relações diplomáticas com os novos Estados surgidos com a conquista da independência.
Desse modo, a Mensagem de Monroe representou antes de mais nada "a expansão de uma política nacional cuja aplicação cabia unicamente ao govemo dos Estados Unidos".
Além disso, a atitude e as palavras de Monroe não continham qualquer garantia que livrasse os demais povos americanos das agressões ou intervenções dos Estados Unidos.
Isto viu-se efetivamente quando nos anos de 1824 a 1826 a diplomacia dos Estados Unidos expressou suas ambições sobre Cuba.
Os Estados Unidos opunham-se a que as Antilhas espanholas fossem tomadas independentes pela ação da Colômbia e México, cujos governos pretendiam realizar uma expedição emancipadora. O temor da anexação de Cuba ao México, ou a alguma das Repúblicas libertadoras, não era menor que o de uma independência precária, com ameaça de intervenção européia.
A Doutrina Monroe, usualmente resumida na expressão "América para os americanos", na realidade atendeu apenas aos interesses norte-americanos.
Não houve solidariedade continental quando os dirigentes estadunidenses opuseram-se ao projeto de união americana no Congresso do Panamá, nem quando o Tratado Guadalupe-Hidalgo (1848) assegurou-lhes a Califórnia, Novo México, Arizona, Utah, Nevada e Texas que foram tomados ao México após vitoriosa campanha militar.
Muito menos houve solidariedade continental quando o Tratado Clayton-Bulwer (1850), assinado com a Inglaterra, fixou as respectivas áreas de influência das duas sociedades e os EUA assumiram o compromisso de não empreender sem os ingleses a construção de um canal na América Central.
Já ao findar o século XIX, quando o capitalismo e a industrialização norte-americana conheceram acelerado desenvolvimento, nova manifestação do Monroísmo ocorreu graças aos esforços de James Blaine, Secretário de Estado dos EUA.
Reuniram-se, então, em Washington, 18 países americanos entre outubro de 1889 e abril de 1890, na Primeira Conferência Internacional Americana, cujas decisões mais importantes foram:
- condenar a guerra e afirmar a nulidade de cessões territoriais decorrentes de operações de conquista ou sob ameaça de guerra;
- aprovar o recurso ao arbitramento para solução de eventuais divergências interamericanas;
- recomendar a construção d uma ferrovia intercontinental para melhor relacionamento entre os povos americanos;
- aprovar a criação de um órgão coordenador das relações comerciais.
Esse organismo foi a União Pan~Americana, iniciada sob a denominação de Escritório Comercial das Repúblicas Americanas, com sede em Washington e mantida pelos recursos proporcionados pelos Estados-membros.
Nessa conferência, os norte-americanos procuraram aprovar uma reunião aduaneira continental. Era o "Destino Manifesto" em sua segunda etapa econômica - a primeira fora territorial e custara ao México a perda da metade de suas terras - visando a ampliar a expansãn econômica dos EUA, altamente industrializados, na América Latina, agrária e tradicional consumidora de produtos industriais europeus.
O projeto fracassou devido sobretudo à resistência do delegado da Argentina, Roque Sáenz-Peña.
A Primeira Conferência Internacional Americana seria o início de uma série de outras que, com o andar dos tempos, alteraria o conceito de solidariedade continental, partindo para um instrumento que é hoje a Organização dos Estados Americanos, a OEA, com poderes amplos, que incluem a intervenção nos Estados-membros, a ajuda ou cooperação técnica, a ordem continental, o incentivo ao desenvolvimento.
Pan-Americanismo no Século XX
É interessante notar que todos os países se fizeram representar nessa Primeira Conferência Internacional Americana, marcando uma nova era nos relacionamentos entre as nações americanas.
A retórica pan-americana passou então a assumir uma postura solidária, defendendo aspectos práticos para o comércio, mas resgatando um ideal de união, necessário às possibilidades de aproximação.
Para os Estados Unidos, o movimento deveria incorporar vários fatores, como localização geográfica, interesses econômicos e aspirações nacionais, enquanto a perspectiva latino-americana, de um modo geral, configurava o pan-americanismo como um dos principais pilares da política externa, além de instrumento de defesa da soberania e da igualdade jurídica dos Estados.
A busca de uma solidariedade hemisférica marcou esse período, a partir dos temas debatidos nas Conferências realizadas em diversas capitais do continente, como Cidade do México (1901), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago (1923), Havana (1928), Montevidéu (1933) e Lima (1938). Contudo, predominou o Big Stick – expressão originada do provérbio africano “fala maciamente, mas carrega um grande porrete (big stick) e assim chegarás muito longe”, que sintetizava a política externa do presidente norte-americano Theodore Roosevelt (1858-1919) para a América Latina até o início da década de 1930: intervencionismo militar com o intuito de manter a paz no continente e, sobretudo, garantir os interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos na região.
Em 1933, durante a Grande Depressão que assolou a economia capitalista, promovendo profundas transformações nas Américas, o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt (1882-1945), anunciou sua “Política da Boa Vizinhança”, buscando superar a lógica de intervenção da fase anterior e construir relações amigáveis entre os Estados Unidos e as nações latino-americanas.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o desaparecimento das condições que geraram essa “boa vizinhança” levaram o continente a repensar o pan-americanismo: surgia uma nova ordem internacional, com os Estados Unidos na posição de líder hegemônico do Ocidente, em um cenário que se desenhava bipolar: de um lado, os EUA; do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
A década seguinte foi marcada por conferências para debater o papel das Américas num mundo que se preparava, em enorme ebulição, para a Guerra Fria entre as duas superpotências.
Nesse contexto é que foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA), com novo aparato jurídico e em substituição à União Pan-Americana, visando estabelecer um padrão para a integração das Américas. Este fato ocorreu durante a IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá em 1948.
fontes: 1 História das Sociedades Americanas - Aquino Jesus
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