quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Diplomatas e Cônsules: privilégios e imunidades



O título deste post remete literalmente ao ítem 3.7 do edital do CACD 2014

A distinção dos termos diplomatas e cônsules remete por sua vez a eventuais diferenças de papéis entre um e outro. 

Sinceramente, nunca havia parado para refletir sobre essas eventuais diferenças, e, assim, resolvi aproveitar o estudo do item para resolver e registrar esta possível confusão. 

Vamos lá.

Diplomata é o funcionário encarregado de representar seu Estado perante um país estrangeiro ou organismo internacional.

Cônsul é o funcionário de um Estado encarregado, em um país estrangeiro, pela proteção dos interesses de indivíduos e empresas que sejam nacionais desse mesmo seu Estado. 

O Cônsul, desta forma, não tem função de representação política junto às autoridades centrais do país onde reside, mas sim atua na órbita dos interesses privados dos seus compatriotas. As relações consulares são consideradas independentes das relações diplomáticas, de modo que a ruptura destas últimas não acarreta, necessariamente, o fim do relacionamento consular. 

As atribuições, privilégios e imunidades dos diplomatas são reguladas, no plano internacional, pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 (CVRD)

Já as relações consulares são reguladas, no plano internacional, pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 (CVRC).

Diversos países, inclusive o Brasil, unificam numa única carreira do Serviço Exterior as funções do diplomata e do cônsul. A função desempenhada pelo funcionário em dado momento, diplomática ou consular, é que determina qual Convenção (sobre relações diplomáticas ou sobre relações consulares) e qual regime de privilégios e imunidades lhe serão aplicáveis. 

Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas 

A CVRD foi concluída em 18 de Abril de 1961, no termo da Conferência das Nações Unidas sobre relações e imunidades diplomáticas, realizada em Neue Hofburg, na capital austríaca, em Março e Abril de 1961. Depositada, em seguida, junto do Secretário*Geral da Organização das Nações Unidas, entrou em vigor no dia 24 de Abril de 1964, de harmonia com o disposto no seu artigo 51º.

A convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em 1964, sendo promulgada e passando a valer em 1965, através do decreto lei 56.435. 

Íntegra do decreto 56.435 com o texto completo da CVRD

Imunidades e Privilégios Diplomáticos
A imunidade diplomática é uma forma de imunidade legal e uma política entre governos que assegura às Missões diplomáticas inviolabilidade, e aos diplomatas salvo-conduto, isenção fiscal e de outras prestações públicas (como serviço militar obrigatório), bem como de jurisdição civil e penal e de execução.
Segundo a CVRD: 
ARTIGO 29.º

A pessoa do agente diplomático é inviolável, não poderá ser objecto de qualquer forma de detenção ou prisão.


O Estado acreditador trata-la-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.


ARTIGO 30.º


1 A residência particular do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade e proteção que os locais da missão.


2 Os seus documentos, a sua correspondência e, sob reserva do disposto no parágrafo 3 do artigo 31.º, os seus bens gozarão igualmente de inviolabilidade.


ARTIGO 35.º

O Estado acreditador deverá isentar os agentes diplomáticos de toda a prestação pessoal, de todo serviço público, seja qual for a sua natureza, e de obrigações militares, tais como requisições, contribuições e alojamento militar.

A primeira teoria articulada a procurar justificar a necessidade de privilégios e imunidades para diplomatas foi a da extraterritorialidade, detalhada por Hugo Grócio no século XVII, segundo a qual uma ficção jurídica faria da Embaixada uma parte do território do Estado acreditante. 
Atualmente, a extraterritorialidade foi abandonada em favor da teoria do interesse da função, segundo a qual a finalidade dos privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim garantir o eficaz desempenho das funções das Missões diplomáticas em sua tarefa de representação dos Estados acreditantes.
Os privilégios e imunidades podem ser classificados em inviolabilidade, imunidade de jurisdição civil e penal e isenção fiscal, além de outros direitos como liberdade de culto e isenção de prestações pessoais.
A inviolabilidade abrange a sede da Missão e as residências particulares dos diplomatas, bem como os bens ali situados e os meios de locomoção. Aplica-se também à correspondência e às comunicações diplomáticas.
Da imunidade de jurisdição decorre que os atos da Missão e os de seus diplomatas não podem ser apreciados em juízo pelos tribunais do Estado acreditado. Além de imunidade de jurisdição civil e administrativa, os agentes diplomáticos também gozam de imunidade de jurisdição penal. A imunidade de execução é absoluta - eventuais decisões judiciais ou administrativas desfavoráveis à Missão ou aos diplomatas não podem ser cumpridas à força pelas autoridades do Estado acreditado.
ARTIGO 31.º

1 O agente goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador. Goza também de imunidade da sua jurisdição civil e administrativa, salvo se se trata de:


a) Uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditaste para os fins da missão;

b) Uma ação sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;
c) Uma ação referente a qualquer atividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.

2 O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.


3 O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução, a não ser nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo 1 deste artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afetar a inviolabilidade de sua pessoa ou residência.


4 A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.


ARTIGO 32.º


1 O Estado acreditante pode renunciar a imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37.º.


2 A renúncia será sempre expressa.


3 Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37.º inicia uma, ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção diretamente ligada à ação principal.


4 A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante as ações cíveis ou administrativas não implica renúncia à imunidade quanto as medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária.


A isenção fiscal abrange o Estado acreditante, o chefe da Missão, a própria Missão e os agentes diplomáticos. Esta isenção inclui os impostos nacionais, regionais e municipais, bem como os direitos aduaneiros, mas não se aplica a taxas cobradas por serviços prestados.
ARTIGO 34.º

O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as excepções seguintes:


a) Os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços;

b) Os impostos e taxas sobre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditador, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditado e para os fins da missão;
c) Os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditador, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39.º;
d) Os impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditador e os impostos sobre o capital referentes a investimentos em empresas comerciais situadas no Estado acreditador;
e) Os impostos e taxas que incidam sobre a remuneração relativa a serviços específicos;
f) Os direitos de registo, de hipoteca, custas judiciais e impostos do selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23.º.

A imunidade diplomática não confere ao diplomata o direito de se considerar acima da legislação do Estado acreditado - é obrigação expressa do agente diplomático cumprir as leis daquele Estado.

Outras isenções e imunidades:

ARTIGO 33.º

1 Salvo o disposto no parágrafo 3 deste artigo, o agente diplomático está, no tocante aos serviços prestados ao Estado acreditante, isento das disposições de seguro social que possam vigorar no Estado acreditador.


2 A isenção prevista no parágrafo 1 deste artigo aplicar*se*á também aos criados particulares que se acham ao serviço exclusivo do agente diplomático que:


a) Não sejam nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência permanente; e

b) Estejam protegidos pelas disposições sobre seguro social vigentes no Estado acreditante ou em terceiro Estado.

3 O agente diplomático que empregue pessoas a quem não se aplique a isenção prevista no parágrafo 2 deste artigo deverá respeitar as obrigações impostas aos patrões pelas disposições sobre seguro social vigentes no Estado acreditador.


4 A isenção prevista nos parágrafos 1 e 2 deste artigo não exclui a participação voluntária no sistema de seguro social do Estado acreditador, desde que tal participação seja admitida pelo referido Estado.


5 As disposições deste artigo não afetam os acordos bilaterais ou multilaterais sobre seguro social já concluídos e não impedem a celebração ulterior de acordos de tal natureza.



ARTIGO 36.º

De acordo com as leis e regulamentos que adote, o Estado acreditador permitirá a entrada livre de pagamento

de direitos aduaneiros, taxas e outros encargos conexos que não constituam despesas de armazenagem,
transporte e outras relativas a serviços análogos:

a) Dos objetos destinados ao uso oficial da missão;

b) Dos objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou dos membros de sua família que com ele
vivam, incluindo os objetos destinados à sua instalação.

2 A bagagem pessoal do agente diplomático não está sujeita a inspeção, salvo se existirem motivos sérios para crer que a mesma contém objetos não previstos nas isenções mencionadas no parágrafo 1 deste artigo, ou objetos cuja importação ou exportação é proibida pela legislação do Estado acreditador, ou sujeitos aos

seus regulamentos de quarentena. Nesse caso, a inspeção só poderá ser feita na presença do agente diplomático ou do seu representante autorizado.

ARTIGO 37.º


1 Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29.º a 36.º, desde que não sejam nacionais do Estado acreditador.


2 Os membros do pessoal administrativo e técnico da missão, assim como os membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência

permanente, gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29.º a 35.º, com a ressalva de que a imunidade de jurisdição civil e administrativa do Estado acreditador, mencionada no parágrafo 1 do artigo 31.º, não se estenderá aos atos por eles praticados fora do exercício de suas funções; gozarão também dos privilégios mencionados no parágrafo 1 do artigo 36.º, no que respeita aos objetos importados para a primeira instalação.

3 Os membros do pessoal de serviço da missão que não sejam nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência permanente gozarão de imunidades quanto aos atos praticados no exercício de suas funções, de isenção de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos seus serviços e da isenção prevista no artigo 33.º.


4 Os criados particulares dos membros da missão que não sejam nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência permanente estarão isentos de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos seus serviços. Nos demais casos, só gozarão de privilégios e imunidades na medida reconhecida pelo referido Estado. Todavia, o Estado acreditador deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de modo a não interferir demasiadamente com o desempenho das funções da missão.

Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas
CVRC é um tratado internacional celebrado em 24 de abril de 1963 que codifica as práticas consulares que se desenvolveram por meio do direito internacional consuetudinário, de diversos tratados bilaterais e de alguns tratados regionais. 
A CVRC entrou em vigor no plano internacional em 19 de março de 1967, e, no Brasil, em 26 de julho de 1967, através do decreto 61.078. 
A Convenção relaciona entre os direitos e deveres básicos dos Estados signatários os seguintes:
  • o estabelecimento e condução de relações consulares por consentimento mútuo; e
  • os privilégios e imunidades dos funcionários consulares e da repartição consular em face das leis do "Estado que recebe" (o país onde se encontra a repartição consular estrangeira).
Em particular, o artigo 36 da Convenção determina que:
  • as autoridades locais devem, sem demora, notificar à repartição consular estrangeira a prisão ou detenção de indivíduo de nacionalidade desta última, a pedido do indivíduo;
  • as autoridades locais são obrigadas a informar o estrangeiro preso ou detido do direito acima mencionado;
  • os funcionários consulares têm o direito de visitar um seu nacional que esteja preso ou detido e com ele conversar e se corresponder.
Imunidades e Privilégios Consulares
Da mesma forma que os privilégios e imunidades diplomáticos, os privilégios e imunidades consulares não têm por finalidade beneficiar indivíduos, mas sim assegurar o eficaz desempenho das funções das repartições consulares, em nome de seus respectivos Estados.
Regulados pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares, os privilégios e imunidades consulares são distintos e menos amplos do que os concedidos aos funcionários no exercício de funções diplomáticas. Os funcionários consulares gozam de inviolabilidade física e imunidade processual penal ou cível apenas no que se refere aos atos de ofício, isto é, os praticados no exercício das funções consulares.
Somente podem ser detidos em caso de crime grave e com ordem judicial da autoridade competente.
Já os locais consulares - isto é, os edifícios e terrenos anexos que sejam utilizados exclusivamente para as finalidades da repartição consular - são invioláveis e gozam de imunidade tributária. As autoridades locais não podem ingressar na parte dos locais consulares que a repartição consular utilize exclusivamente para as necessidades de seu trabalho, a não ser com o consentimento do chefe da repartição consular.
Os arquivos e documentos consulares gozam de inviolabilidade absoluta, onde quer que estejam.
A Seção II da CVRC trata das Imunidades e Privilégios para os funcionários de consulados:
SEÇÃO II
Facilidades, privilégios e imunidades relativas aos funcionários consulares de carreira e outros membros da repartição consular.
ARTIGO 40º - Proteção aos funcionários consulares
ARTIGO 41º - Inviolabilidade pessoal dos funcionário consulares
ARTIGO 42º - Notificação em caso de detenção, prisão preventiva ou instauração de processo
ARTIGO 43º - Imunidade de Jurisdição
ARTIGO 46º - Isenção do registro de estrangeiros e da autorização de residência
ARTIGO 47º - Isenção de autorização de trabalho (trabalho oficial ao Estado que envia) 
ARTIGO 48º - Isenção do regime de previdência social
ARTIGO 49º - Isenção fiscal
ARTIGO 50º - Isenção de impostos e de inspeção Alfandegária

Bibliografia:



4 comentários:

  1. Olá, você colocaram no subtitulo "Convenção de Viena sobre relações diplomáticas" quando estavam se referindo as "relações consulares".

    Ótimo texto!

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  2. Muito bom, obrigado. No título da penúltima seção a palavra correta seria "consulares" o invés de "diplomáticas".

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