Caos no mundo atesta impotência da comunidade internacional
Alain Frachon - Le Monde
23.09.2014
Poucas vezes a sensação de impotência foi tão forte como agora. O Oriente Médio está um caos. Os acontecimentos na Ucrânia exalam um leve perfume de Guerra Fria. A China ameaça seus vizinhos, que estão com muito medo e pedindo pela proteção dos Estados Unidos. O terrorismo anda mais intenso do que nunca e o aquecimento global também. Mas e o que faz a "comunidade internacional"?
A resposta para essa pergunta é: ela está demonstrando sua impotência. Ela parou de reagir. A ONU está paralisada pelos antagonismos que têm ressurgido entre algumas das superpotências de outra época: Estados Unidos de um lado, China e Rússia de outro.
A era da hiperpotência americana pós-Guerra Fria teria durado menos de uma geração: de 1989 a 2003, quando o sonho de uns e o pesadelo de outros de um império americano se afundou em algum lugar das areias do Iraque.
Nenhum dos "G" tem marcado pontos. Nem os G8 nem os G20, que supostamente representariam as potências de ontem e de hoje, possuem qualquer influência sobre as tragédias atuais. A hipótese de um G2, um domínio conjunto de americanos e chineses sobre as questões mundiais, se revelou uma ilusão.
Aparentemente, o sistema internacional tem sido regido por uma única lei, a do caos.
Nenhum mecanismo de solução de conflitos, nenhum diálogo institucionalizado entre Estados, nenhum fórum de "governança" mundial parece ter condições de influenciar nas tragédias do momento. Por quê? Por que essa crescente impotência coletiva? Essa é a pergunta abordada de forma brilhante pelo último número da revista "Esprit" (agosto-setembro de 2014), intitulado "A nova desordem mundial".
Comecemos com um rápido boletim de saúde dos principais atores. Com os Estados Unidos como líder inconteste, o bloco ocidental está menos em declínio do que se costuma falar. Mas sua hegemonia está se esvaindo, como constata a "Esprit".
Os Estados Unidos estão passando por uma fase de relativo "recuo" estratégico. Fora o comércio, a Europa desistiu de ser um ator do cenário internacional. Ela optou por sair da história no momento em que sua vizinhança está mais instável do que nunca, com tumultos no Oriente Médio e renascimento de uma Rússia pós-soviética tentada por um nacionalismo um tanto revanchista.
A Ásia --as Ásias, na verdade-- tem se afirmado como novo polo de potência econômica, científica e militar. Ela é ao mesmo tempo puxada e intimidada por uma China que, como escreve Gérard Araud, o novo embaixador da França em Washington, "está reencontrando a diplomacia de sua geografia".
É uma maneira elegante de dizer que ela pretende ser a líder de sua zona do Pacífico, em detrimento dos Estados Unidos.
A China gosta de exercer o papel de manda-chuva na família das potências emergentes --Índia, Brasil, Turquia, Indonésia etc.-- que, com seu sucesso econômico e seu peso demográfico, deveriam estar entre os novos centros de poder do planeta. Elas não são e não querem. Até o momento, elas têm se recusado a assumir qualquer responsabilidade na solução dos atuais conflitos.
Defesa dos interesses nacionais
A analista política Nicole Gnesotto, uma das organizadoras desse número da "Esprit", os descreve como "países soberanistas", particularmente a China, primeiramente voltados para seu próprio desenvolvimento.
Eles não impulsionam nenhuma nova dinâmica nas questões mundiais. Eles não lidam com eles, sejam desastres do Oriente Médio, proliferação nuclear, grandes migrações ou aquecimento global.
A "Esprit" também arrisca uma primeira explicação para a "desordem mundial" de hoje: "A potência não passa do Oeste para 'o resto'"--esta última expressão se refere às potências emergentes.
"Não estamos em um sistema de vasos comunicantes", onde o relativo recuo dos Estados Unidos, a retirada absoluta da Europa e a paralisia da ONU seriam compensados por um papel ativo do sul emergente no estabelecimento de uma nova ordem mundial.
Os emergentes não oferecem nenhuma alternativa a um sistema herdado da Segunda Guerra Mundial e que está prestes a desmoronar. Isso explica esse sentimento de vazio ou de transição, propício ao caos.
Mas Nicole Gnesotto aponta que este também é alimentado pela dicotomia que existe entre a ordem política e a ordem econômica mundial. A globalização econômica produziu um mercado mundial único, um cenário econômico efetivamente globalizado.
Mas na ordem política não há nada disso, nenhuma unificação correspondente: "A globalização estratégica não existe". Só que, ao contrário do que pensava o grande Montesquieu, o comércio não suaviza necessariamente os costumes.
A globalização econômica não suprime nenhum dos grandes conflitos regionais, assim como tampouco atenua o apetite por poder, por dominação ou vontade de revanche na história. Ela não impede uma espécie de nova Guerra Fria, muito bem descrita por Pierre Hassner, especialista em relações internacionais.
Os comportamentos de Pequim no Mar da China, da Arábia Saudita ou do Irã no Oriente Médio e da Rússia na Ucrânia mostram uma única coisa: os Estados ainda estão dispostos a sacrificar alguns pontos de crescimento --ou até a paz-- em nome da defesa daquilo que eles percebem como seus interesses nacionais.
O mercado global não garante a paz global. Ele vive muito bem em meio ao caos político, e isso é até mesmo a marca da época.
fonte: UOL - Le Monde
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