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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Quem é António Guterres, novo secretário da ONU






















Deutsche Welle
Dez 2016

António Guterres é o novo secretário-geral da ONU. O engenheiro nasceu em 1949 em Lisboa. Foi líder do Partido Socialista, primeiro-ministro, presidente da Internacional Socialista e, por último, dirigente do ACNUR.
António Manuel de Oliveira Guterres, que foi nomeado por unânimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para Secretário-geral da ONU, tem agora pela frente o grandioso desafio de implementar as reformas propostas no sistema da ONU, conforme os objetivos que defendeu durante a campanha de candidatura ao cargo até então assumido pelo sul-coreano Ban Ki-moon.
Quando andava no Liceu Camões, em Lisboa, o objetivo de António Guterres era ser investigador em Física – a maior paixão inteletual da sua vida. Seguiu essa paixão como professor universitário. 
Aluno brilhante, em 1965 entra para o curso de Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico, licenciando-se em 1971. Mas, como estudante universitário foi voluntário numa Organização Não Governamental, de que foi presidente, a qual desenvolvia ação social em três bairros de lata, onde eram elevados os níveis de pobreza. Era o tempo do fim da ditadura em Portugal. 
Trabalho voluntário nos bairros de lata e carreira política em Portugal
O engenheiro lembra-se desse tempo, afirmando que esse trabalho nos bairros de lata de Lisboa lhe criara "um choque": "Num país em que as liberdades não eram respeitadas e em que uma parte substancial da população vivia em condições terriveis, de discriminação e de pobreza, há aqui um problema moral. E por isso, num dado momento e sobretudo com a vinda da Revolução dos Cravos, fechei os meus papéis de doutoramento, deixei a universidade e envolvi-me completamente na atividade política com a ideia de que não havia solução humanitária para os problemas dos bairros de lata; que a solução era política."
É assim que acaba por se envolver na vida política, em várias décadas. Disputa e ganha a liderança do Partido Socialista, em 1992. Três anos depois (1995), alcança a sua grande vitória nas eleições legislativas, pondo fim a dez anos de governação do social-democrata, Cavaco Silva. No entanto, em 2001, demite-se após a derrota eleitoral do PS nas eleições autárquicas. Homem de desafios, Guterres foi presidente da Internacional Socialista (1999-2005).
Carreira internacional: Os anos Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados
Dez anos depois, deixou a vida política portuguesa e decidiu voltar à atividade humanitária dedicando a sua vida aos mais vulneráveis no mundo. Acabou por ocupar o lugar de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, entre junho de 2005 e dezembro de 2015. O seu maior desafio, reconhece, foi candidatar-se para o ACNUR.
Sobre esse cargo Guterres afirma: "Isso foi um enorme privilégio mas criou também uma enorme frustração, porque nós não tínhamos solução humanitária para os problemas das pessoas. A solução dos problemas humanitários não é humanitária, é política. E de alguma forma, ao fim destes dez anos um enorme impulso para pode dedicar o próximo quartel da minha vida àquilo que são as causas profundas do sofrimento humano e sentindo que isso tem a ver com as questões de paz, de segurança, de desenvolvimento e dos direitos humanos." 
Depois de dez anos à frente do ACNUR, Guterres conclui que o lugar mais indicado para prosseguir a sua carreira, com base nas experiências que acumulara ao longo da vida, seria uma candidatura ao posto de secretário geral das Nações Unidas.
As propostas de Guterres para a reforma do sistema da ONU
Guterres propõe uma série de reformas do sistema das Nações Unidas. E nessa qualidade, defende vários objetivos, entre os quais a solução dos múltiplos conflitos no mundo e prevenção contra o terrorismo global.
É assim que o secretário-geral descreve o atual estado do sistema das Nações Unidas: 
"Se é verdade que tudo está interligado, acho também que é óbvio que onde a comunidade internacional mais tem falhado tem a ver com as dificuldades da prevenção e solução dos conflitos e ao mesmo tempo com as dificuldades em proteger a comunidade internacional em relação à nova ameaça do terrorismo global tal como ele hoje se manifesta nas sociedades modernas. 
Há aqui claramente uma falha e é por isso que eu disse que era indispensável um novo impulso na diplomacia para a paz, impulso esse que tem um papel decisivo na ação. Há aqui uma oportunidade para uma ação intensa do secretário-geral no aproveitamento daquilo que se chama os seus bons ofícios, desde que ele seja obviamente um mediador imparcial, desde que ele seja visto como um catalisador com poder de convocatária, e possa merecer o respeito de todos para ter a capacidade de mobilizar todos em relação, quer à prevenção de conflitos, quer à solução de alguns desses conflitos que se vem arrastando por algumas décadas."
Organizações não governamentais  e socieadade civil aplaudem escolha de Guterres
A escolha de Guterres foi aplaudida por representantes de várias organizações não governamentais nacionais e internacinais. Pedro Neto, diretor executivo da Aministia Internacional em Portugal, sublinha que os desafios são inúmeros, entre os quais o drama dos refugiados.
"Em primeiro lugar, é preciso e necessário um novo acordo para os refugiados e para os migrantes. É dramática a situação de 21 milhões de refugiados existem neste momento", afirma Neto, e conclui: "Este é um dos assuntos prioritários para o próximo secretário geral das Nações Unidas." 
Por outro lado, Pedro Neto defende o combate à criminalidade em larga escala, a nível mundial, utilizando os instrumentos que as Nações Unidas têm para o fazer. Em terceiro lugar, apela a uma maior valorização do papel da sociedade civil em defesa dos Direitos Humanos. 
Na análise à DW sobre a missão do novo secretário geral da ONU, o jornalista Orlando Castro considera relevante a escolha de um português para o mais alto cargo: "Acho que isso é relevante, porque pode centralizar – quer na língua quer no conceito de lusofonia –, novas atenções", afirma o jornalista português nascido em Angola. 
Castro questiona: "Falta-me é saber o que António Guterres terá que pagar pelos apoios que conseguiu sobretudo, no caso concreto, do regime de José Eduardo dos Santos. E eu não creio que Guterres tenha estado bem nos elogios que fez para conseguir esse apoio de Angola. E creio que não esteve bem porque não tinha necessidade de fazer a apologia de um regime que, como todos nós sabemos, é dos mais corruptos do mundo, um regime que consegue fazer com que Angola seja o país que, a nível mundial, tem maior índice de mortalidade infantil."
O analista reconhece que África até será o problema menor entre os desafios que António Guterres tem pela frente. Neste contexto, realça os graves problemas que tem para resolver, nomeadamente a situação dos refugiados, a crise na Síria ou o conflito israelo-árabe sempre latente. «São macro-desafios», sublinha Orlando Castro.
fonte: DW Brasil

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

UN: Brazil 20-year public expenditure cap will breach human rights













GENEVA 
9 December 2016

Government plans to freeze social spending in Brazil for 20 years are entirely incompatible with the country’s human rights obligations, according to the United Nations Special Rapporteur on extreme poverty and human rights, Philip Alston. 

The principal and unavoidable effect of a proposed amendment to the Constitution designed to ‘lock in’ a budget freeze in order to show fiscal prudence will be to harm the poor for decades to come, the expert warned. The amendment, due to be voted on by Brazil’s Senate on 13 December, is known as PEC 55 or the New Fiscal Regime.

“If adopted, this amendment would lock in inadequate and rapidly dwindling expenditure on health care, education and social security, thus putting an entire generation at risk of social protection standards well below those currently in place,” Mr. Alston said.

The independent expert appointed by the UN Human Rights Council called on the Brazilian Government to ensure a proper public debate on PEC 55, to estimate its impact on the poorest segments of society, and to identify alternative measures to achieve the goals of austerity.

“One thing is certain,” he stressed. “It is completely inappropriate to freeze only social expenditure and to tie the hands of all future governments for another two decades.  If this amendment is adopted it will place Brazil in a socially retrogressive category all of its own.”

The plan to change the Constitution for the next 20 years comes from a Government that came to power after the impeachment of the former President and which has thus never presented a program to the electorate. This raises even stronger concerns about the proposal to tie the hands of future governments.

Brazil is Latin America’s largest economy and has suffered its deepest recession in decades, with an unemployment rate that has almost doubled since the beginning of 2015.

The Government says a spending freeze mandated by the constitution will increase investors’ confidence by reducing public debt and interest rates, and will therefore help pull the country out of recession. But the  special rapporteur warns it will have a severe impact on the least well-off.

“This is a radical measure, lacking in all nuance and compassion,” he said.
“It will hit the poorest and most vulnerable Brazilians the hardest, will increase inequality levels in an already very unequal society, and definitively signals that social rights are a very low priority for Brazil for the next 20 years.” 

He added: “It clearly violates Brazil’s obligations under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, which it ratified in 1992, not to take ‘deliberately retrogressive measures’ unless there are no alternative options and full consideration has been given to ensure that the measures are necessary and proportionate.”

Mr. Alston pointed out that over the last few decades, Brazil had established an impressive social protection system aiming to eradicate poverty and recognize people’s rights to education, healthcare, work and social security.

“These policies have contributed substantially to reducing poverty and inequality in the country. It would be a historic mistake to turn back the clock now,” he said.

Brazil’s National Education Plan calls for adding R$37 billion annually to provide a quality education for all students, while this amendment will reduce planned spending by R$47 billion over the next eight years.  With more than 3.8 million children out of school, Brazil cannot ignore their right to go to school, nor the right of all children to a quality education.

The debate on PEC 55 has been rushed through the National Congress by the new Government with limited participation by the groups affected, and without studying its impact on human rights. A recent survey suggested that that 43% of Brazilians are not aware of the plan, and among those who are aware, a majority oppose it.

The expert, who is engaging with the Brazilian Government to clarify the process and substance of the proposed amendment, stressed that “showing fiscal and economic prudence and honouring international human rights law are not mutually exclusive, as both focus on the importance of carefully designed measures that avoid negative effects on people as much as possible.”

“Immediate negative effects need to be balanced with potential longer-term gains, as well as efforts to protect the most vulnerable, especially the poorest in society,” he the noted.

“International economic studies, including research by the International Monetary Fund, show that fiscal consolidation typically has the short-term effect of reducing incomes, raising unemployment and increasing income inequality.  And in the long-term there is no empirical evidence to suggest that these measures will achieve the objectives suggested by the Government,” the expert underscored.

Mr. Alston’s appeal to the Brazilian authorities has been endorsed by the Special Rapporteur on the right to education, Ms. Koumbou Boly Barry.

The Special Rapporteurs are part of what is known as the Special Procedures of the Human Rights Council. Special Procedures, the largest body of independent experts in the UN Human Rights system, is the general name of the independent fact-finding and monitoring mechanisms of the Human Rights Council that address either specific country situations or thematic issues in all parts of the world. 

Special Procedures experts work on a voluntary basis; they are not UN staff and do not receive a salary for their work. They are independent from any government or organization and serve in their individual capacity.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Acordo de Paris entra em vigor: desafio é ampliá-lo




















Estado de SP
4 nov 2016


O Acordo de Paris para o combate às mudanças climáticas entra nesta sexta-feira, 4, em vigor em tempo recorde, menos de um ano depois de ter sido fechado na capital francesa por 195 países, com o desafio de acelerar e incrementar suas ações, a fim de evitar os piores impactos do aquecimento global.
A rapidez na adoção, até esta quinta-feira por 94 países, cria um momento de empolgação diante de um problema complexo. As emissões de gases de efeito estufa precisam cair, mas continuam subindo, enquanto o planeta está cada vez mais quente - a expectativa é de que 2016 vai bater o recorde, pelo terceiro ano seguido, como o mais quente desde o início dos registros.
Ao mesmo tempo, novos cálculos confirmam que as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) -, compromissos que cada país ofereceu como contribuição ao acordo, ao serem somadas, ficam bem aquém do necessário para limitar o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o fim do século. Estão mais distantes ainda do 1,5°C, valor mais desejado para evitar danos aos países mais sensíveis à mudança do clima.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) fez nesta quinta-feira, 3, o alerta de que o mundo só vai alcançar a meta dos 2°C se fizer um corte adicional de 25% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação ao que já estava previsto para ser reduzido. O dado consta do Gap Report, relatório que todo ano mede a lacuna entre as ações que a humanidade está tomando para diminuir a quantidade de gases que é lançada na atmosfera e o quanto de fato precisaria ser feito.
Pela conta, em 2030 todos os países juntos deveriam emitir no máximo 42 gigatoneladas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mas, considerando o ritmo de ações atuais e os compromissos assumidos pelos países junto ao Acordo de Paris, a emissão do mundo estará entre 54 e 56 gigatoneladas. Com isso, a temperatura subiria de 2,9°C a 3,4°C até 2100, na comparação com os valores pré-industriais.
A rápida entrada em vigor do acordo passa um sinal claro a quem ainda não o ratificou, mas também a empresas, mercado financeiro e setores que de algum modo estão ligados ao problema, que o mundo está comprometido de verdade a resolvê-lo. A expectativa é de que também acelere ações justamente para fazer a conta fechar.

Marrakesh

Na próxima segunda-feira, começa em Marrakesh a 22ª Conferência do Clima da ONU, que terá a missão de dar o pontapé inicial nesse processo. Será a primeira oportunidade para as partes que já ratificaram o Acordo de Paris começarem a decidir como se dará sua adoção. Desse grupo fazem parte os dois maiores emissores do planeta - China e Estados Unidos - e também pesos pesados na discussão, como Índia, União Europeia e Brasil.
Na prática, porém, a entrada em vigor, comemorada como um arroubo de vontade política até então inédita nas negociações de clima - principalmente quando Estados Unidos e China tomaram a dianteira do processo -, não significa que imediatamente os países começarão a adotar novas medidas para cumprir suas metas.
O acordo passa agora por um processo burocrático para definir algumas regras do jogo e só então torná-lo de fato operacional. É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os países terão de apresentar quando forem comunicar suas NDCs; como será o monitoramentos dos resultados; como se dará o mecanismo de mercado e o financiamento.
A verdade, afirma o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, é que não se esperava que o acordo entraria em vigor tão rápido. Quando foi fechado, em dezembro do ano passado, se considerava que isso só ocorreria em 2020.
"A entrada em vigor marca um momento político favorável e demonstra consenso da comunidade internacional sobre a urgência de ações que devem ser tomadas para combater a mudança do clima", disse nesta quinta em coletiva à imprensa. Mas não quer dizer que a pressa não foi importante, ressalta. Segundo ele, vai acelerar os trabalhos de implementação.
Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o principal ganho da entrada em vigor é justamente que a partir de segunda já haverá o primeiro espaço formal para começar a regulamentação. "Quase cem países já ratificaram. Isso vai impor um censo de responsabilidade para tirar o Acordo de Paris do papel." 
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

62 indivíduos possuem tanto quanto a metade da população mundial






















Carta Maior
20 jan 2016

É oficial. 1% dos detentores da riqueza mundial possuem agora mais do que o restante do mundo combinado, confirmou o novo relatório divulgado na segunda-feira.
"A crise da desigualdade global está atingindo novos extremos", declarou a Oxfam Internacional no An Economy for the 1% [Uma Economia para o 1%], constatando que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres ampliou-se de forma tão dramática nos últimos 12 meses que os 62 indivíduos mais ricos do mundo agora possuem tanto quanto a metade mais pobre da população mundial, cerca de 3,6 bilhões de pessoas.
Na verdade, a riqueza da metade mais pobre caiu em um trilhão de dólares desde 2010, enquanto a riqueza das 62 pessoas mais ricas aumentou em 44%, isto é, para o total de $1,76 trilhões.

"É simplesmente inaceitável que a metade mais pobre da população mundial possua menos do que algumas dezenas de pessoas super-ricas que poderiam caber em um ônibus", disse Winnie Byanyima, diretora-executivo da Oxfam International.

O relatório foi divulgado apenas alguns dias antes da abertura da reunião anual do Fórum Econômico Mundial, que será realizada entre 20 e 23 janeiro em Davos, na Suíça. Na conferência, a Oxfam pretende reiterar o seu apelo por uma ação urgente quanto a crise da desigualdade. Especificamente, o grupo pede pelo fim da era dos paraísos fiscais.

"Em vez de se distribuir, a renda e a riqueza estão sendo sugadas para cima em um ritmo alarmante", afirma o relatório. "A tendência é um sistema cada vez mais elaborado de paraísos fiscais e uma indústria de gestores de riqueza que garantam essa concentração, longe do alcance dos cidadãos comuns e de seus governos. Uma estimativa recente é de que $7,6 trilhões em riqueza privada atualmente são mantidos offshore, mais do que a produto interno bruto (PIB) combinado do Reino Unido e da Alemanha".

Este sistema, diz a Oxfam, permite que indivíduos e empresas ricas possam evitar pagar as suas obrigações tributárias para a sociedade, negando aos governos os recursos necessários para combater a pobreza e a desigualdade.
Por exemplo, o relatório constatou que quase um terço de toda a riqueza financeira africana - ou seja, $500 bilhões - é mantido offshore, privando os governos de cerca de $14 bilhões em receitas fiscais, perdidas a cada ano.

"Este dinheiro é suficiente para pagar por cuidados de saúde que poderiam salvar a vida de 4 milhões de crianças e empregar um número de professores suficiente para colocar todas as crianças da África na escola", afirma o relatório.

O relatório observa ainda que as mulheres são desproporcionalmente prejudicadas por essa crescente disparidade de riqueza.
"As mulheres constituem a maioria dos trabalhadores com baixos salários do mundo e estão concentradas nos postos de trabalho mais precarizados", afirma o relatório. E um agravante da desigualdade global é o fato de que esses trabalhadores, com salários baixos em quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, estão recebendo uma porção decrescente da renda nacional, enquanto os lucros são cada vez mais concentrados nas mãos dos que estão no topo.

"Os CEOs das principais empresas norte-americanas tiveram um aumento salarial em cerca de 54% desde 2009, enquanto os salários das pessoas comuns quase não mudaram em nada".
"O mundo se tornou um lugar muito mais desigual e essa tendência está se acelerando", disse Byanyima. "Não podemos continuar a permitir que centenas de milhões de pessoas passem fome enquanto os recursos que poderiam ser usados para ajudá-las são sugados por aqueles no topo".

Ela acrescentou: "Os mais ricos não conseguem esconder sua riqueza do restante de nós - a sua riqueza extrema de fato mostra uma economia global em crise A recente explosão na riqueza dos super-ricos veio às custas da maioria de nós e, particularmente, das pessoas mais pobres".

fonte: Carta Maior

domingo, 28 de junho de 2015

70 anos da ONU e a busca da Paz

















MRE
26 jun, 2015

Neste 26 de junho celebramos os 70 anos da assinatura da Carta que criou a Organização das Nações Unidas (ONU). Fundada em meio aos escombros do maior conflito da História – a 2.ª Guerra –, a ONU foi concebida para trabalhar em favor dos mais elevados ideais da comunidade internacional: a paz, o respeito aos direitos humanos, o progresso e o bem-estar da humanidade.

O Brasil foi um dos 51 membros fundadores e sua atuação na Organização sempre esteve assentada na busca de dois objetivos que, em nossa visão, estão intimamente relacionados: a preservação da paz e a promoção do desenvolvimento. 


Para o Brasil, não há paz duradoura e estabilidade verdadeira sem progresso econômico e social. Como assinalou a presidenta Dilma Rousseff em discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, o Brasil defende que “as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável”.

Temos dado contribuição concreta à promoção da paz. Nas dez vezes em que ocupamos assento não permanente no Conselho de Segurança – marca igualada apenas pelo Japão –, trabalhamos em favor da solução pacífica das controvérsias e da superação das causas profundas dos conflitos, como a exclusão política, social e econômica. 


Desde 1948 a ONU já realizou 69 operações de manutenção da paz, das quais o Brasil participou de 40, e oficiais brasileiros exercem hoje o comando militar das missões no Haiti (Minustah) e na República Democrática do Congo (Monusco) e o comando naval da missão no Líbano (Unifil).

Os primeiros 45 anos da ONU foram diretamente afetados por hostilidades que marcaram a guerra fria, o que virtualmente paralisou o Conselho de Segurança. O fim da bipolaridade alimentou as expectativas de que o diálogo poderia enfim predominar. 

Um quarto de século depois, algumas das principais questões que afetam a paz e a segurança mundial continuam sem solução, como fontes de instabilidade. Novos conflitos armados surgiram no interior de Estados ou entre Estados cujas diferenças estavam contidas pela lógica da guerra fria, o que elevou o número total de guerras. 

Vivemos hoje um grave “déficit de diplomacia” no mundo. A diplomacia preventiva tornou-se um exercício raro e perfunctório, e medidas como o recurso à força militar, ameaças e sanções tornaram-se mais frequentes, muitas vezes a expensas da Carta da ONU, que autoriza o uso da força somente em casos de autodefesa ou autorização expressa do Conselho de Segurança.

A situação no Oriente Médio ilustra essa realidade. Palestina, Iraque, Líbia e Síria são exemplos trágicos do desinvestimento na diplomacia. A região tem sido palco da tentação das soluções impostas de fora, com recurso a ações militares ou apoio a grupos e facções em guerras civis, muitas vezes à margem do Conselho de Segurança ou do mandato conferido, condenando à morte ou ao deslocamento milhões de civis, fomentando sectarismos, liberando forças destrutivas de difícil controle e facilitando a proliferação de armas e crimes transnacionais, como o tráfico de pessoas. 


Ao se fragilizarem as estruturas estatais, criaram-se vazios de poder que permitiram a ascensão de grupos radicais como o autodenominado “Estado Islâmico”. Não é coincidência que tais grupos tenham florescido e vicejem precisamente em países onde houve intervenções armadas ou políticas. Seu custo humano é incalculável.

A situação hoje no Iraque, na Líbia e na Síria comprova a correção da oposição do Brasil ao uso precipitado da força ou ao apoio a facções. A cautela por nós preconizada revelou-se tragicamente premonitória. 

Soluções duradouras para a paz e a segurança internacional requerem capacidade de diálogo e negociação. Sem um papel central para a diplomacia, o sistema internacional continuará a viver um clima de irresolução permanente. 


A própria ONU, pelo desinteresse de muitos de seus membros, nunca centrou o foco de suas atividades em matérias relacionadas ao Capítulo VI da Carta, que lida justamente com soluções pacíficas de conflitos. A primeira resolução sobre mediação foi aprovada na Assembleia-Geral só em 2011.

Ao mesmo tempo – e aqui reside o próprio fundamento da estabilidade e da paz – a promoção do desenvolvimento nunca ocupou na ONU a posição central que merece. Ainda há relutância em reconhecer, para além da retórica, que a pobreza, a falta de oportunidades e a ausência de serviços básicos tendem a ser vetores de conflitos. 


Não por acaso as guerras civis atingem mais fortemente os países pobres. Os recentes fluxos migratórios de pessoas que tentam fugir de conflitos e da miséria são uma comprovação dessa confluência entre o déficit de diplomacia e a ausência de políticas efetivas de apoio ao desenvolvimento.

O cenário atual nos oferece, no entanto, novas esperanças. Tivemos recentemente dois exemplos de valorização da diplomacia: a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos e avanços na negociação do dossiê nuclear iraniano. São apostas no diálogo que o Brasil tem defendido e praticado há anos.

A despeito dos importantes serviços que prestou ao longo dos anos, é premente que a ONU seja reformada. Não se trata apenas de uma modificação de suas estruturas, até para tornar seu Conselho de Segurança mais democrático, representativo, legítimo e, por isso, mais eficaz: é indispensável que essa atualização institucional se faça acompanhar de uma mudança de visão de seus Estados-membros.

O Brasil compromete-se a seguir atuando para fortalecer a ONU e melhor prepará-la para enfrentar os desafios globais. A comunidade internacional não tem alternativa ao reforço do multilateralismo: é só nele que os Estados poderão buscar soluções para os problemas de todos e fazer do mundo um lugar menos marcado pela tragédia dos conflitos.

*Mauro Vieira é Ministro das Relações Exteriores


fonte: Itamaraty

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Experiência Brasileira nas Nações Unidas




Em 1926, o Brasil deixou a Liga das Nações, em condições traumáticas, por não haver sido aceita sua aspiração de ocupar um assento permanente no Conselho desta. 

O Brasil perdeu queda de braço para a Alemanha, potência vencida na Primeira Guerra Mundial. Manteve, porém, laços com a aquela organização, inclusive no que diz respeito ao tratamento de temas especializados.

Na fase final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil esteve representado nas negociações que culminaram com a adoção da Carta de São Francisco, que estabeleceu as Nações Unidas. 

A Carta, ressalte-se, é essencialmente produto da diplomacia das grandes potências vitoriosas, em especial dos EUA. Embora contasse com expressivo número de membros, a América Latina detinha escasso poder de negociação. 

Convém não perder de vista o acanhamento político e a escassez de perspectivas do próprio Brasil, e das nações latino-americanas, como países de dependentes de economias agrárias e extrativistas, diante do primado das grandes potências.

Por um lado, a Carta representa um salto de qualidade, em comparação com o Pacto da Liga, em termos de organização da ordem internacional; por outro, traz os vícios de origem de uma negociação feita sob o constrangimento das relações de poder necessariamente dominantes nos períodos de guerra ou de imediato pós-guerra.

O reingresso da diplomacia brasileira no plano multilateral se fazia ainda sob certas condições desfavoráveis, como os traumas do passado, do isolamento recíproco – e das ocasionais rivalidades – com vizinhos latino-americanos, do provincianismo agroexportador e a necessidade última de manter a aliança forjada com os EUA, potência hegemônica mundial e hemisférica. 

Tal aliança, que era emblemática do realismo político induzido pela recente guerra, valia como fator de influência regional e de expressão mais ampla no cenário mundial. 

A síntese dessa situação se encontrava numa singela diplomacia de prestígio, que fincava raízes no período monárquico e na Primeira República, e que, com certeza, já enfrentava desilusões no quotidiano da política internacional.

A formação de uma visão clara dos principais ideais e objetivos que moveram a atuação da delegação brasileira desde a fundação da Organização foi muito facilitada pela edição, por ocasião do cinquentenário das Nações Unidas, do livro A Palavra do Brasil nas Nações Unidas (1946-1995), que reúne os pronunciamentos brasileiros na abertura do debate da Assembleia Geral. 

O apresentador desses textos, Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, identifica na Organização uma combinação de necessidade e esperança, razão e ilusão, realidade e utopia. 

Acentua que para a ONU convergem as pressões e contrapressões de um sistema internacional tendencialmente anárquico; e nela se articulam coalizões e configurações de poder, impulsiona-se o processo decisório internacional e adotam-se determinações que introduzem elementos normativos e cooperativos na ordem mundial.

Seixas Corrêa data da II Conferência de Paz da Haia, em 1907, o início da participação do Brasil nos processos da diplomacia multilateral mundial e traça uma linha de continuidade que a une à atuação na Liga das Nações e, posteriormente, nas Nações Unidas. 

Sob a liderança de Ruy Barbosa, nota Seixas Corrêa, o discurso brasileiro foi “afirmativo e reivindicatório”, e dele derivam “pelo menos dois paradigmas seguidos desde então pela diplomacia brasileira: o da singularidade (do Brasil) e o do respeito ao Direito Internacional”. Sobre este último comenta que: “Vem (...) da Haia a pretensão do Brasil de atuar no concerto das nações não com o peso de suas armas ou com eventuais ambições de potência, mas com a força de suas razões e a ascendência de seu Direito”.

Acrescente-se que as aspirações do paradigma barbosiano da Haia, ainda que este seja raramente mencionado, credencia Ruy Barbosa para a posição de patrono da diplomacia multilateral brasileira. 


Nos discursos brasileiros nas Nações Unidas, é possível encontrar uma combinação de preocupações éticas e políticas, num quadro de respeito às tradições nacionais e de busca de transformações no plano mundial. A menção de uns poucos pontos permite que se entenda traços básicos da experiência do Brasil no plano multilateral, em especial nas Nações Unidas.

Desde o primeiro discurso, em janeiro de 1946, quando já se esboçavam a guerra fria e a bipolaridade, e havendo sido o Brasil recém-eleito para a posição de membro não permanente (biênio 1946-47) do Conselho de Segurança, o Embaixador Luiz Martins de Souza Dantas registra que o Brasil: “Nunca deixou de trabalhar para a paz e tem a satisfação de ter sido a primeira nação a introduzir em sua Constituição uma cláusula que prescreve que prescreve a arbitragem compulsória para todos os conflitos internacionais”.

E assevera que: “Seu único desejo (na Segunda Guerra Mundial) foi o de servir a causa da paz internacional e da segurança coletiva”.

Souza Dantas orienta explicitamente seu discurso pelo princípio da causa comum da humanidade (communis humanitatis causa) e, nesse espírito de universalismo e equidade, pede que as Nações Unidas sejam “uma verdadeira assembleia de nações” e que se fundamentem tanto nos ensinamentos de Cristo, Maomé, Buda e Confúcio, quanto na contribuição dos meios laicos de todos os países. 

Poucos meses depois de Hiroshima e Nagasaki, comenta que: “o homem se prepara para manejar uma energia cósmica e (...) poderá ser tragado por ela”. De forma presciente, observa que: “ainda por algum tempo as armas secretas provenientes dessa energia poderão permanecer ocultas. Mas seria leviano pensar que se trata de uma solução definitiva: descobertas científicas não são privilégio de um único povo ou grupo”.

E conclui que: “essas descobertas irão surgir simultaneamente em várias mentes”.

Já na segunda sessão da Assembleia Geral, em 1947, quando se desencadeavam os primeiros episódios ligados à guerra fria, o Embaixador João Carlos Muniz deu ênfase à conciliação como “característica essencial do povo brasileiro” e afirmou que “o histórico de nossa participação na vida internacional é precisamente um histórico de conciliação de ideias e influências opostas, com o propósito de promover o progresso nas relações internacionais através da persuasão”.

Essa ênfase, nem sempre bem entendida no próprio Brasil, por si só singularizava o país no diálogo parlamentar em curso nas Nações Unidas. 

Igualmente é esse o momento em que a delegação brasileira começa a acentuar a necessidade da cooperação internacional e os obstáculos que a ela se antepõem, a tese de que o Conselho de Segurança funciona mal e a da adoção de meios práticos que disciplinem o uso do direito de veto (o que, no contexto, significaria uma limitação prática ao exercício daquele instrumento por parte da URSS, mas que hoje dirigiria muito mais aos EUA do que à Rússia) e, mais genericamente, o fato de que as Nações Unidas não estavam atingindo seu objetivo principal de assegurar a paz e a segurança internacionais.


O Brasil se apresenta nas Nações Unidas plenamente ciente dos fatores básicos que o vinculam à comunidade internacional, a saber: antes de mais nada, dedicação à paz mundial e da região, fidelidade aos compromissos assumidos na Carta e longa tradição de promoção de relações harmoniosas entre os Estados e de convivência com seus vizinhos.

Conhece e vive o Brasil, também, os traços que o distinguem entre as nações, tanto no plano interno, quanto os que lhe delineiam o perfil de atuação internacional, como suas dimensões demográfica, territorial, política e econômica; a variedade étnica; a heterogeneidade econômica e social; as discrepâncias na distribuição da renda; e, no nível externo, sua profunda ancoragem regional e sub-regional; projeção sul atlântica; e interesses como global trader e, crescentemente, como ator global.

O Brasil sempre esteve entre os países voltados para a mudança nas Nações Unidas; sempre soube prestar sua contribuição ao esforço para fazê-las mais abertas e equitativas, mais transparentes e sensíveis aos reclamos de nosso tempo. 

Desde São Francisco, são perceptíveis os temas dominantes da atuação a longo prazo do Brasil nas Nações Unidas: o funcionamento do Conselho de Segurança, a reforma da Carta e o desenvolvimento econômico e social.

Membro fundador, participante na luta contra a tirania nazifascista, o Brasil chegou a ser considerado em São Francisco como um possível membro permanente do Conselho de Segurança. Desde então, fez-se operosa e criativamente presente nas grandes deliberações multilaterais. 

O Brasil nunca foi espectador desatento ou desinteressado, mas sim visível participante nas atividades das Nações Unidas. Cumpriu dez mandatos como integrante eletivo do Conselho de Segurança – número recorde juntamente com o Japão – inclusive cinco vezes após o fim da guerra fria, o Brasil acumulou um conhecimento privilegiado acerca dos modos de funcionamento dos círculos decisórios mundiais. 

O Conselho, encarregado – como diz a Carta –, da responsabilidade primária pela manutenção da paz e segurança internacionais, certamente espelha o funcionamento desses círculos no plano multilateral.


Igualmente, o Brasil sempre teve atuação de vanguarda na Assembleia Geral e no Conselho Econômico e Social e em suas respectivas comissões funcionais e, ainda, nas grandes conferências internacionais, o que lhe permitiu exercitar as práticas parlamentares e aproveitar as oportunidades políticas inerentes à diplomacia multilateral.

Não foram nada fáceis para a comunidade internacional, inclusive o Brasil, os primeiros anos das Nações Unidas. Os temas da guerra fria monopolizaram o ambiente político- -diplomático e contaminaram o discurso com o choque ideológico, a confrontação militar e a disputa política. 

A própria questão do desarmamento nuclear e convencional só vai tomar impulso realmente significativo, após os 13 dias de outubro de 1962 – a clara perspectiva de um conflito terminal entre os EUA e a URSS – a propósito dos mísseis soviéticos em Cuba. 

A dramática confrontação no Conselho de Segurança, em que Adlai Stevenson apresentou e Valerian Zorin procurou contestar provas fotográficas do posicionamento de tais mísseis, teve o dom de colocar a questão do armamento nuclear no topo da agenda multilateral e impulsionar a política de distensão internacional (détente) patrocinada principalmente pelos países da Europa ocidental. 

Em tempos mais recentes, no início do segundo conflito do Iraque, Colin Powell apresentou, no mesmo foro, supostas provas da presença de armas de destruição em massa, nucleares, químicas e bacteriológicas, no território daquele país.

Cada etapa da vida internacional, desde 1945, encontra ressonâncias na atuação diplomática brasileira nas Nações Unidas. 

A exemplo do que ocorreu com os demais países, nos anos iniciais das Nações Unidas, a guerra fria fortemente condicionou a participação do Brasil tanto na Assembleia Geral quanto no Conselho de Segurança, onde esteve representado em quatro períodos de dois anos, entre 1945 e 1964. 

Além disso, a preponderância hemisférica dos EUA e a precariedade de nossa base sub-regional, numa época em que o Brasil e a Argentina tinham dificuldades em acertar-se, foram fatores limitativos de monta.


Mais adiante, como assinalado, a détente leva a variados tipos de participação na área do desarmamento, desde a importante participação na Conferência de Desarmamento em Genebra, no grupo dos “não alinhados”, até a negociação de iniciativas regionais, das quais a mais saliente foi a desnuclearização da América Latina, consubstanciada no Tratado de Tlatelolco.

 A correlação entre o processo de desarmamento geral e completo, a estabilidade regional em matéria de armamentos e o fortalecimento das perspectivas da paz e da segurança passou a integrar o ideário da diplomacia brasileira, e a servir como ponto de referência natural e obrigatório para a crítica às lacunas, aos defeitos e desmandos da ordem internacional.

Nessa nova atmosfera, firmaram-se as bases conceituais e diplomáticas que, por inspiração do Embaixador João Augusto de Araújo Castro, permitiram a tomada de posição contrária ao Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares, o TNP, oposição esta que se manteve até 1997.

Ao lado disso, a aceleração do processo de descolonização, um dos momentos definidores da história do século XX, criou uma nova situação internacional, e uma nova situação parlamentar na ONU. 

Por essa via, o Brasil esteve presente à criação dos Estados que emergiram do regime colonial e da promoção da nova e democrática África do Sul. Participou de grandes embates diplomáticos e, apesar das dificuldades internas que conheceu, soube, em momentos críticos, tomar posições. 

Esse desempenho é ilustrativo da autenticidade da postura multilateral do Brasil, de sua correlação necessária com as vicissitudes e êxitos internos e do desenvolvimento de uma visão política e de um engajamento de escopo universaliza.


A preocupante situação socioeconômica interna e regional tornava claro, desde o final dos anos 1940, que a participação no tratamento da temática política nos foros multilaterais deveria vir acompanhada de atenção para a questão do bem-estar da sociedade. 

Não só era muito escassa a atenção internacional dispensada à problemática do atraso econômico, mas também era grande a dificuldade de encaminhá-la, numa fase em que falar de desenvolvimento ou de interesses financeiros de países em desenvolvimento nas Nações Unidas era, às vezes, razão suficiente para motivar perseguições de fundo ideológico. 

Foi lenta a travessia do foco das atenções mundiais da temática politicamente correta da reconstrução econômica da Europa para a polêmica relativa à inter-relação do desenvolvi- mento com o comércio internacional e as iniquidades no relacionamento Norte-Sul.

O Brasil esteve à frente desse processo, especialmente no contexto da preparação da I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). 

O impulso que havia sido dado ao país, no Governo Kubitschek, pela política de “Cinquenta anos em Cinco”, e pelo concomitante renascer da diplomacia brasileira com a Operação Pan-Americana, permitiram ao país assumir essa posição de vanguarda, capitaneado pelo Embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues e executado por toda uma geração de brilhantes diplomatas.


Buscaram-se encontrar soluções multilaterais para os problemas da escassez de capital para investimento nos países pobres e para os efeitos perversos da estrutura de comércio internacional sobre o desenvolvimento daqueles mesmos países. 

Contribuiu fortemente para tornar viável essa postura diplomática a política que vinha sendo conduzida pelos Chanceleres San Tiago Dantas, sob o rótulo de política externa independente, e Araújo Castro, cujo ápice foi o famoso discurso dos “3D”, na abertura do Debate Geral da XVIII Assembleia Geral de 1963. 

Entre os muitos pontos altos dessa linha política, citem-se adoção de uma linha firme com relação à desastrada invasão de Cuba no episódio da Baía dos Porcos e o reatamento das relações com a União Soviética.

O subsequente agravamento dos problemas políticos internos levou a uma década de encolhimento diplomático e de tempos duros para o multilateralismo, nos quais o Brasil, pela primeira vez, votava com as minorias em todas as mais controvertidas questões na pauta das Nações Unidas (admissão da China Popular à ONU, situação nas colônias portuguesas na África e outras). 

Em grande parte do longo período dos governos militares o Brasil limitou sua participação no Conselho de Segurança (de 1969 a 1987, o Brasil esteve fora do Conselho).


Embora, com o Governo Geisel, as políticas de pragmatismo responsável e de não alinhamento automático com os EUA, preconizadas e conduzidas pelo Chanceler Azeredo da Silveira e sua equipe, revertessem essa situação e fossem aprofundadas na “política sem slogans”, mas universalista, desenvolvida por seu sucessor, Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, as consequências desse período perduraram no tempo, levando, por exemplo, a que o Brasil só pudesse voltar ao Conselho de Segurança em 1988.

As décadas do pós-guerra fria se caracterizam pelo esmaecimento da temática Norte-Sul, em grande parte em função do fracasso, por oposição dos países desenvolvidos, da tentativa de estabelecimento da chamada Nova Ordem Econômica Internacional e do lançamento do processo de globalização econômica e de iniciativas correlatas. 

“Novos temas” ganham o primeiro plano, como as questões dos direitos humanos, da mulher, do combate ao narcotráfico, e se abre uma breve era das grandes conferências multilaterais, das quais a Conferência do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento é paradigmática.

A partir de 1992, uma nova política se afirma, em consequência do esboroamento da URSS e do bloco socialista, do fim da confrontação Leste-Oeste e da proliferação de conflitos locais e regionais. Durante um breve momento, os membros anglo-saxões do Conselho pareciam inebriados pelo poder. 

O período após os atentados do 11 de setembro de 2001 é especialmente marcado pela securitização das discussões multilaterais, com o combate ao terrorismo ofuscando totalmente outros temas e a perspectiva de solução pacífica de controvérsias. Significou, igualmente, uma atitude mais sóbria por parte daqueles membros.


Contudo, o Conselho de Segurança passa a interferir em aspectos que antes não lhe diziam respeito, como os da ordem interna, em especial dos países menos desenvolvidos da África e da consolidação institucional da ONU, de modo a trazer essas questões também para a esfera de segurança.

Hoje, as Nações Unidas vivem sua reforma estrutural como um problema inadiável, tendo em vista que, após quase setenta anos de existência, uma atualização de sua estrutura se tornou fundamental e foi estimulada pelas transformações na ordem política e econômica global. 

fonte: Ronaldo M. Sardenberg - O Brasil e as Nações Unidas - Funag 2013 

domingo, 23 de novembro de 2014

Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança completa 25 anos

Tratado da ONU criado em 1989 resultou em progressos, mas ainda há muito a ser feito, apontam especialistas. Pobreza e desnutrição continuam sendo grandes desafios e a principal causa de mortalidade infantil.

Um quarto de século depois da adoção da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, 2014 pode ser considerado um ano especial. Pela primeira vez, dois ativistas desses direitos ganharam o Prêmio Nobel da Paz: a paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi.
Malala luta pelo direito das meninas à educação. Aos 17 anos, ela não é apenas a mais jovem vencedora do Nobel de todos os tempos, mas também a primeira e única menor de idade a receber a homenagem até hoje. Yousafzai, de 60 anos, dedicou sua vida à luta contra o trabalho infantil.
"Esta é uma expressão clara de uma nova visão sobre as crianças, um distanciamento da velha imagem que as mostra apenas como pessoas a serem protegidas", afirma o especialista em direito da criança Nigel Cantwell. Ele foi um dos responsáveis pela criação da Convenção sobre os Direitos da Criança, em novembro de 1989.
"Hoje, já se sabe que crianças são capazes de dar sua própria contribuição e que elas devem ser levadas a sério em seu engajamento pelos direitos humanos infantis", diz.
Cantwell aponta que a noção de que crianças não são objetos de educação dos pais e de caridades bem-intencionadas, e sim indivíduos com direitos próprios claramente definidos, ainda não é algo considerado óbvio.
"Esta falta de compreensão evidencia fortemente como a Convenção sobre os Direitos da Criança era algo necessário", acredita. "Aqueles que redigiram e ratificaram as convenções de direitos humanos existentes anteriormente nunca teriam imaginado que seriam aplicadas a crianças. Não há, de fato, limites mínimos de idade para a aplicação das outras convenções, mas ninguém realmente pensou nas crianças. Isto reflete exatamente como era a percepção delas na época. Quanto a seus direitos, elas eram quase inexistentes."
Em 54 artigos, a convenção compromete os Estados signatários a proteger crianças contra discriminação, exploração, abuso e violência. 
A convenção estabelece expressamente que todas as crianças do mundo, além do direito a um início de vida saudável, também têm o direito de ir à escola e de explorar seu potencial de desenvolvimento intelectual e físico. Em todas as medidas que afetam crianças, elas têm direito a manifestar sua própria opinião e devem ser ouvidas. O bem-estar da criança sempre deve ser prioridade.
Progressos em 25 anos
Agora, 25 anos após a adoção da convenção, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) questiona os progressos realizados. Será que o mundo é um lugar melhor hoje do que era para as crianças em 1989? A resposta dos especialistas é um sonoro "sim", com algumas ressalvas.
"Há áreas em que foram feitos progressos significativos", avalia Nicolette Moodie, do escritório do Unicef em Genebra. "Nas áreas de saúde e educação, por exemplo, o progresso tem sido considerável, mesmo que na educação a coisa não tenha evoluído muito nos últimos anos.".
Um bebê nascido em 2014 tem, de acordo com o Unicef, chance muito maior de completar os cinco anos do que há 25 anos. 
Graças a vacinas e à melhoria da assistência médica, a mortalidade infantil caiu quase pela metade desde 1990. Mas 17 mil crianças ainda morrem por dia, a maioria delas vítimas de doenças que podem ser prevenidas.
De acordo com o Unicef, pobreza e desnutrição são as principais causas de morte infantil. Por isso, a entidade vê a redução da miséria como uma das metas mais importantes. E nesta área, também são registrados progressos: a quantidade de pessoas nos países em desenvolvimento que vivem em extrema pobreza caiu pela metade. 
Enquanto em 1990 quase metade dos moradores de países em desenvolvimento vivia em situação de extrema pobreza, em 2010, esse número sequer chegava a um quinto deles.
"Mas as crianças estão desproporcionalmente representadas entre os mais pobres", reconhece Moodie. "Vvemos aqui diferenças significativas, de acordo com renda, etnia, deficiência ou não deficiência."
Também no que concerne à proteção das crianças, os progressos nos últimos 25 anos não foram tão pronunciados. "Nas áreas de violência contra crianças, trabalho infantil e casamentos de crianças, vê-se um progresso lento. Contra o trabalho infantil, não é possível simplesmente administrar uma vacina. Aqui, as medidas são muito mais complexas de ser implementadas."
Metas do Milênio ajudaram
Segundo especialistas, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem sido fundamental para melhorar as condições básicas globais para as crianças. Mas a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU também tem desempenhado um papel importante. 
A comunidade internacional se comprometeu, no ano de 2000, com metas ambiciosas na luta contra a pobreza e acesso à alimentação, saúde e educação até 2015.
"Conseguimos implementar as metas mais facilmente alcançáveis", lembra Nicolette Moodie, da Unicef, um ano antes do grande balanço oficial de encerramento dos objetivos. 
"Mas não conseguimos alcançar os mais pobres e marginalizados. E é exatamente aqui que a Convenção sobre os Direitos da Criança e seu princípio de não discriminação nos mostra o caminho que devemos tomar para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Temos que cuidar intensamente daqueles que ainda não atingimos."
A Convenção sobre os Direitos da Criança é uma das mais bem-sucedidas na história da ONU: nenhum tratado de direitos humanos foi aceito pelos países do mundo de forma tão rápida e abrangente. Ela entrou em vigência em 1990, tendo sida ratificada por 194 países até agora, com exceção apenas de Estados Unidos, Somália e Sudão do Sul.
Considerando o apoio quase universal, o mundo é, pelo menos no papel, um paraíso infantil. Entretanto, a realidade de milhões de crianças ainda é marcada por crises humanitárias, violência e pobreza.
Com o martelo na mão
"Há 25 anos, certamente havia uma pressão moral para assinar a convenção", acredita Cantwell. Segundo ele, isso decorre do fato de que, em todo o mundo, as crianças têm um lugar especial na consciência pública, e é mais fácil mobilizar esforços para projetos de crianças do que para ajudar refugiados, por exemplo. 
Na vida cotidiana, no entanto, a implementação dos direitos das crianças requer um esforço contínuo.
No início deste ano, a Comissão dos Direitos da Criança da ONU gerou manchetes em todo o mundo ao fazer perguntas persistentes à delegação do Vaticano na ONU sobre o abuso de crianças por padres católicos.
A convenção estabelece que todos os Estados se submetam regularmente à avaliação de uma comissão de peritos independentes em direitos das crianças e relatar a cada cinco anos os progressos e dificuldades na implementação desses direitos em seu território.
Nas avaliações realizadas em cada país, a sociedade civil tem amplas oportunidades de participar. Cada vez mais, crianças praticam seu direito de liberdade de expressão e de serem ouvidas.
"A força potencial da Convenção sobre os Direitos da Criança é enorme", destaca Cantwell. "Ela é um instrumento, uma ferramenta que você precisa para operar corretamente. Um martelo sozinho não consegue pregar um prego. Você tem que pegar o martelo na mão e bater no prego. E é exatamente isso que é preciso fazer com a convenção. É preciso conhecê-la e colocá-la em prática."

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