Os acordos entre a China e a Rússia, o fortalecimento dos Brics e os processos de integração na AL são elos do que pode chegar a ser um mundo multipolar.
Emir Sader - Carta Maior
31.05.2014
De imediato os EUA passaram a se valer de sua inquestionável superioridade, buscando transferir os conflitos para o enfrentamento milhar.
O ápice dessa política de militarização dos conflitos se deu no Afeganistão, no Iraque e na Líbia. Ainda que sob formas relativamente distintas, o desenlace dos conflitos se deu pela via militar – invasão, ocupação, bombardeio, derrubada dos governos.
Mesmo com desgastes, essa via se impunha até recentemente sem que aparecessem obstáculos para que a dominação norteamericana se impusesse. Até que o conflito com a Síria, que se encaminhava para um bombardeio do território desse país, teve uma virada inesperada, com uma proposta de acordo formulada pelo Ministro de Relações dos EUA e aceita pelos EUA.
Acontece que os desgastes anteriores começavam a desgastar a capacidade hegemônica dos EUA.
Foi muito significativo que a primeira rejeição a participar do bombardeio viesse do maior aliado estratégico dos EUA – da Grã Bretanha -, com a negativa do Parlamento britânico a acompanha os EUA em uma nova aventura, como consequência direta dos desgastes da invasão do Iraque, em que o ex-primeiro ministro Tony Blair saiu desgastado, por ter jogado seu prestígio numa versão que se revelou falsa.
Obama teve que aceitar a oferta russa porque, além de tudo, não conseguiu apoio da opinião pública dos EUA, sem vontade de que o país se metesse em uma nova guerra, com consequências imprevisíveis, como tampouco dos militares, a quem a ideia de um “bombardeio cirúrgico” não tinha convencido. E, como relatou o próprio Obama, nem de sua família ele conseguiu apoio.
A passagem a um clima de acordo sobre a Síria se estendeu ao Irã – inclusive pelos vínculos diretos que tem os dois conflitos -, valendo-se também da eleição de um novo presidente no Irã.
Em ambos os casos, mesmo com dificuldades, há avanços, projetando paralelamente a Russia como novo grande protagonista da negociação dos conflitos contemporâneos. Pela primeira vez, desde o fim da guerra fria, os EUA tiveram que limitar sua ação baseada na força, para aceitar termos políticos de acordos negociados entre governos.
O caso da Ucrânia, mesmo com características distintas, confirma essa nova tendência. Com o final da guerra e a desaparição do campo socialista, as potências ocidentais avançaram com grande codícia sobre os países até ali participantes desse campo, incorporando-os à União Europeia e inclusive à Otan.
A Ucrânia é um caso especial, porque se localiza na fronteira da Rússia e porque a Crimeia tem um porto essencial para o país, em termos comerciais e militares. A forma violenta com que as forças pro-União Europeia atuaram – decretando inclusive a proibição do idioma russo – enfraqueceu mais ainda sua capacidade
A realidade é que se desatou uma dinâmica centrifuga, em que as potências ocidentais denunciam a ação da Russia como força que estaria impulsionando o desmembramento da Ucrânia. Conforme aumenta a ira da imprensa ocidental, se veem confrontados com a impossibilidade de intervir, gerando-se uma situação a mais de limites da ação dos EUA.
Conforme as potências ocidentais se viam limitadas a medidas inoquas de punição à Russia, Putin se reunia com Xi Jinping, para acertar um grande acordo energético, assim como uma estratégia de desdolarização do comércio entre os dois países.
Em todos os seus aspectos os acordos contribuem a configurar campos próprios de ação, em oposição ao boco dirigido pelos EUA. No próprio conflito ucraniano, enquanto os EUA contam com seus tradicionais aliados europeus – com distintos graus de coincidência – a Russia conta com os países do Brics.
Os acordos entre a China e a Rússia, o fortalecimento dos Brics e os processos de integração regional na América Latina são elos do que pode chegar a ser um mundo multipolar. Os próximos anos confirmarão ou não esta perspectiva.
fonte: Carta Maior
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