terça-feira, 16 de junho de 2015
Sujeitos do DIP: Governo e capacidade de entrar em relações com os demais Estados
Sujeitos do Direito Internacional Público - DIP
O direito internacional trata primariamente dos direitos, deveres e interesses dos Estados.
Na verdade, até recentemente, considerava-se que somente os Estados teriam personalidade jurídica e, conseqüentemente, somente eles poderiam ser sujeitos do direito internacional.
Este termo "sujeito do direito internacional" refere-se ao que era considerado como capacidade exclusiva dos Estados, ou seja:
* possuidor de direitos e deveres sob o direito internacional;
* possuidor do privilégio regimental de ajuizar ação perante um tribunal internacional;
* possuidor de interesses para os quais é feita provisão no direito internacional;
* competente para firmar tratados com outros Estados e organizações internacionais.
Estes qualificadores não são necessariamente cumulativos; a mera posse de um deles por uma entidade (por exemplo, um Estado) é suficiente para qualificar aquela entidade como sujeito do direito internacional.
Quando tais características são vistas conjuntamente com a legislação internacional de direitos humanos vigente, fica evidente que a tese de sua exclusividade aos Estados não pode ser mantida.
A legislação internacional de direitos humanos define pessoas físicas como sendo sujeitos do direito internacional, dando-lhes direitos e deveres, e permitindo-lhes ajuizar ações perante tribunais internacionais ou mesmo fazer-se representar em pessoa perante tais tribunais.
Outras pessoas jurídicas ou sujeitos do direito internacional podem ser:
A - Organizações Públicas Internacionais (ONU, OTAN, União Européia, OEA, Mercosul, etc);
B - Indivíduos
C - Santa Sé e Cidade do Vaticano
Este texto se propõe a discutir somente conceitos de Estado e Governo. Outros sujeitos do DIP são detalhados nos posts Santa Sé e Cidade do Vaticano , Indivíduo como sujeito do DIP e ONU.
Estados são claramente sujeitos do direito internacional. Isto requer, porém, uma definição mais clara de quais são exatamente os critérios identificadores de um Estado.
Convenção de Montevidéu
O artigo 10 da Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados (1933) tem a seguinte redação:
O Estado como pessoa [isto é, sujeito] do direito internacional deve possuir as seguintes qualidades:
(a) uma população permanente;
(b) um território definido;
(c) governo; e
(d) capacidade de estabelecer relações com outros Estados.
A Convenção de Montevidéu é comumente aceita como reflexo, em termos gerais, dos requisitos necessários para satisfazer a condição de Estado no direito internacional consuetudinário.
Argumenta-se que esses requisitos foram suplantados por outros de caráter mais político ou moral - isto é, independência alcançada de acordo com o princípio da autodeterminação, e não seguindo políticas racistas.
A história confirma este argumento, tomando-se como exemplo a antiga Rodésia do Sul e as práticas do antigo regime do apartheid na África do Sul, combinados com as subseqüentes reações do Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU, respectivamente.
No caso da Rodésia do Sul, o Conselho de Segurança impôs sanções econômicas a esse país, após sua declaração de independência, em 1965, e "[clamou] a todos Estados a não reconhecer este regime ilegal, racista e minoritário".
Nenhum Estado reconheceu a Rodésia do Sul como Estado, embora pudesse ter alegado atingir todos os requisitos técnicos necessários para satisfazer a condição de Estado, de acordo com a Convenção de Montevidéu.
Este exemplo serve como uma indicação clara do fato de que a independência deve ser alcançada de acordo com o princípio da autodeterminação, o qual é tido como sendo um quesito adicional da condição de Estado.
Da mesma forma, a Assembléia Geral de 1976 condenou duramente a declaração de independência de Transkei (como parte da política do apartheid da África do Sul) e a declarou inválida ao mesmo tempo que conclamou a todos os governos que "[neguem] qualquer forma de reconhecimento ao suposto Transkei independente, abstendo-se de manter qualquer relação com esse...".
Subseqüentemente, nenhum Estado (exceto a África do Sul) reconheceu Transkei como um Estado. A interpretação prática de Estado neste ponto significa que o Transkei, como uma entidade criada diretamente de uma política fundamentalmente ilegal do apartheid não é, por esta razão, um Estado, não importando seu grau de independência formal ou real.
A situação da Somália (com sua ausência de governo), bem como a situação da antiga Iugoslávia (com sua divisão territorial de facto) antes do acordo de Dayton, talvez ofereçam exemplos mais recentes da questão dos requisitos (adicionais) da condição de Estado e as respectivas respostas da comunidade internacional por intermédio da ONU.
Os requisitos da condição de Estado de acordo com a Convenção de Montevidéu merecem um exame e definição mais detalhados.
Com respeito a população e território, é importante saber que não existe limite mínimo em termos de tamanho. Tampouco existe a necessidade das fronteiras do Estado estarem claramente definidas ou sem disputas.
Basta que o território tenha coesão suficiente, mesmo que suas fronteiras ainda não estejam precisamente delimitadas. Israel, que é sem duvida um Estado, muito embora suas fronteiras nunca tenham sido definitivamente resolvidas, talvez possa servir como exemplo prático para este fim.
A existência de um governo é outro requisito da condição de Estado. Significa a existência de uma forma estável de organização política, bem como a capacidade das autoridades públicas de afirmarem-se por todo o território do Estado. (Teria a Somália atualmente condições de satisfazer esse requisito técnico da condição de Estado?).
A prática de Estado, com relação a esse ponto, sugere que o requisito de uma "organização política estável", em controle do território do Estado, não se aplica a situações de conflito armado após o estabelecimento próprio de um Estado.
A necessária capacidade de estabelecer relações com outros Estados é uma referência direta à independência dos Estados. Por independência, neste sentido, deve-se entender a existência de um Estado separado, que não é sujeito à autoridade de nenhum outro Estado ou grupo de Estados.
Esta situação pode ser descrita como sendo uma soberania externa, significando que um Estado não tem outra autoridade sobre si mesmo do que aquela do direito internacional.
Do dito acima a respeito da declaração de independência de Transkei, a conclusão importante a ser tirada é de que o reconhecimento do Estado (por outros Estados) é outro principal requisito adicional da condição de Estado.
Reconhecimento e Capacidade de estabelecer relações com outros Estados
O Reconhecimento e a capacidade de estabelecer relações com outros Estados depende não apenas de quem quer ser reconhecido, mas também daqueles que querem reconhecê-lo. Ou seja, a definição não é técnica, mas, sim, política.
País é aquilo que outros países aceitarem como país.
Para entender como isso funciona, primeiro é preciso levar em consideração que o planeta não tem um governo central. No cenário internacional, os Estados são atores que decidem sobre seu próprio destino, já que não há um poder executivo nem uma polícia planetária.
A ONU, por exemplo, é um palco onde esses atores se reúnem. Mas, para entrar nesse elenco o país precisa ser aprovado pelos colegas, com dois terços dos votos da Assembleia Geral da ONU e a aprovação do Conselho de Segurança (CSONU) - composto por EUA, França, Reino Unido, Rússia e China.
É nessa regra que surge o limbo dos países que não existem, sendo o exemplo mais clássico o da República Popular da China contra a República da China.
Em 1949, o nacionalista Chiang Kaishek perdeu para o comunista Mao Tsé-tung a Guerra Civil Chinesa. Com isso, o governo chinês deposto se refugiou na ilha de Taiwan, enquanto Mao ganhou Pequim. Só que desde a fundação da ONU o assento chinês era do governo refugiado em Taiwan.
Então, embora a ilha tivesse apenas uma fração da população chinesa, permaneceu como a verdadeira China até 1971, quando a ONU concedeu a cadeira ao governo de Pequim.
Hoje Taiwan tem 23 milhões de habitantes, um PIB per capita igual ao da Alemanha e o 18º maior orçamento militar do mundo - mas continua não reconhecida, nem mesmo pelos parceiros comerciais. Oficialmente não é um país.
Algo ainda mais impressionante acontece na Somália. Desde 1991 o país não tem um governo capaz de controlar seu território, e grande parte do sul está nas mãos de uma milícia ligada à Al Qaeda.
Enquanto isso, no noroeste do país fica a Somalilândia - um país com governo central operante e moeda própria. A Somália, que não consegue governar seu próprio território, tem um assento na ONU. A Somalilândia não.
A Palestina tenta também sair desse limbo. Hoje ela é um quebra-cabeça territorial, com áreas sob controle palestino, áreas de controle israelense e outras sob controle civil palestino e controle militar israelense.
Depois de mais de 20 anos de negociações com Israel, que não levaram à criação formal do Estado Palestino, em 2012 a Assembleia-Geral das Nações Unidas reconheceu a Palestina como "Estado observador não-membro", uma elevação de status que, espera a liderança palestina, poderá levar ao efetivo estabelecimento do país de fato e de direito.
A votação, apesar de grande maioria favorável, não foi unânime: 138 países votaram a favor do reconhecimento, enquanto nove foram contra (Israel, Estados Unidos, República Tcheca, Panamá, Palau, Ilhas Marshall, Micronésia e Nauru) e 41 se abstiveram.
Como termo de comparação, Liechtenstein é plenamente reconhecido - embora não tenha um exército e sua população caiba toda num estádio de futebol.
San Marino também é país. E não consta que alguém no mundo fale "san marinês"... Nem "monegasco", embora Mônaco também tenha sua cadeira cativa na sede da ONU, desde 1993.
E quais são esses direitos de um Estado de verdade?
Antes de mais nada, o país tem garantido o monopólio do uso da força legítima em seu território, e ninguém pode interferir, sob pena de ficar malvisto pela comunidade internacional - o que pode trazer embargos comerciais, por exemplo, contra quem violar a soberania de um país reconhecido.
Até recentemente, a ideia de país parecia estar ficando obsoleta, com a União Europeia liderando a formação de blocos econômicos sem fronteiras internas. Seria o primeiro passo para a utopia de um governo planetário.
No entanto, com a crise e o desfacelamento do euro, parece que está-se vivendo um retrocesso neste sentido - por exemplo a Dinamarca recentemente voltou a controlar suas fronteiras.
ESTADOS NÃO RECONHECIDOS:
Taiwan - 23 milhões de habitantes
Palestina - 4,2 milhões de habitantes
Somalilândia - 3,7 milhões de habitantes
ESTADOS RECONHECIDOS:
San Marino - 32 mil habitantes
Mônaco - 36 mil habitantes
Liechtenstein - 36 mil habitantes
fontes: 1. Manual FUNAG para o CACD - Noções de Direito (4a Ed. - 2012)
2. DHNet
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