Guia de Estudos IRB - CACD 2014
Prova 2013 HISTÓRIA DO BRASIL - Questão 1
Disserte acerca das relações entre a Inglaterra e o Brasil no período compreendido entre 1808 e 1831.
CAIO GROTTONE TEIXEIRA DA MOTA
"As relações entre Brasil e Inglaterra, no período que vai de 1808 a 1815, foram condicionadas pelo contexto das guerras napoleônicas.
Diante do bloqueio continental e do ultimato de Napoleão para declarar guerra à Inglaterra, Portugal enfrentou o dilema de ter seu território metropolitano invadido pelos franceses ou de expor suas colônias ao poderio naval inglês.
A corte de D. João decidiria por migrar para o Brasil com o respaldo da esquadra britânica, sendo que a restauração do território metropolitano também caberia à Inglaterra. Portugueses e ingleses mantinham, principalmente desde o Tratado de Methuen, relação em que Portugal fazia concessões econômicas em troca de garantias políticas.
A permanência da corte lusa no Rio de Janeiro, mesmo após a derrota de Napoleão, e a condução do processo de independência pelo legítimo herdeiro do trono dos Bragança acabaram por transplantar à jovem nação o enquadramento desigual que caracterizava a relação de Portugal com a Inglaterra.
O reconhecimento da independência brasileira envolveu outras temáticas, que se somaram à questão do tráfico no processo tripartite entre Portugal, Brasil e Inglaterra.
De 1808 a 1831, as relações entre Brasil e Inglaterra foram marcadas pelos
privilégios comerciais, pela questão do tráfico de escravos, pela participação no processo de
independência e pela mediação no Prata.
Essas temáticas consolidaram o papel hegemônico que a Inglaterra exerceu no período, enquadrando o Brasil no esquema desigual que ela mantinha com Portugal. Nesse momento, os formuladores da política externa brasileira mostraram autonomia excessiva em relação à sociedade, prejudicando os interesses dela.
O "sistema de tratados", conforme Cervo, impuseram imobilismo ao Brasil até 1844, quando se ensaia um projeto de robustecimento da vontade nacional.
No período em questão, contudo, os tratados de livre comércio não favoreceram as elites agrárias, visto que os mercados europeus permaneceram fechados aos produtos brasileiros; obstaram o surgimento de setores mais dinâmicos, como a indústria; e prejudicaram a arrecadação fiscal, dependente de tarifas de importação.
O fracasso da ação externa à época da Independência desgastou o Imperador, que renuncia em 1831, e motivou o surgimento de uma tradição antitratados comerciais no Parlamento, a qual consiste em versão brasileira de um ideário pan-americanismo."
fonte: Guia de Estudo IRB para o CACD 2014
CAIO GROTTONE TEIXEIRA DA MOTA
"As relações entre Brasil e Inglaterra, no período que vai de 1808 a 1815, foram condicionadas pelo contexto das guerras napoleônicas.
Diante do bloqueio continental e do ultimato de Napoleão para declarar guerra à Inglaterra, Portugal enfrentou o dilema de ter seu território metropolitano invadido pelos franceses ou de expor suas colônias ao poderio naval inglês.
A corte de D. João decidiria por migrar para o Brasil com o respaldo da esquadra britânica, sendo que a restauração do território metropolitano também caberia à Inglaterra. Portugueses e ingleses mantinham, principalmente desde o Tratado de Methuen, relação em que Portugal fazia concessões econômicas em troca de garantias políticas.
A permanência da corte lusa no Rio de Janeiro, mesmo após a derrota de Napoleão, e a condução do processo de independência pelo legítimo herdeiro do trono dos Bragança acabaram por transplantar à jovem nação o enquadramento desigual que caracterizava a relação de Portugal com a Inglaterra.
Ao chegar ao Brasil, a corte portuguesa decretou, em 1808, a abertura dos portos às
nações amigas. Embora essa medida tenha favorecido os ingleses, estes a receberam com
qualificações, pois esperavam um porto exclusivo.
O regime de livre comércio derivou, na verdade, das convicções liberais do Visconde de Cairu, influente junto ao regente D. João, e das pressões das elites locais, ansiosas por livrar-se das amarras do exclusivo metropolitano. Os desígnios ingleses seriam atendidos plenamente nos tratados desiguais de 1810.
O Tratado de Comércio e Navegação impôs tratamento preferencial aos produtos ingleses, que pagariam tarifa de 15%, inferior à dos demais países (24%) e mesmo à dos produtos lusos (16%).
O Tratado de Amizade e Aliança impôs limitações ao tráfico de escravos, que poderia ocorrer somente em possessões portuguesas.
A questão do tráfico permeou as relações entre Brasil e Inglaterra durante todo o período. No Congresso de Viena, após Napoleão ser derrotado e Portugal ter seu território europeu restaurado, foi firmado o compromisso de limitar o tráfico de escravos ao sul do Equador.
Em 1817, foram estabelecidos tribunais mistos para julgar os casos de tráfico ilícito, no Rio de Janeiro e em Serra Leoa. A Inglaterra, senhora dos mares, incomodava-se com o papel geopolítico que o tráfico de escravos exercia no Atlântico Sul e na costa africana.
O processo de independência do Brasil, em que a Inglaterra exerceu mediação, teve seu reconhecimento condicionado pelos britânicos ao compromisso brasileiro de extinção do tráfico. Este estaria proibido três anos após a ratificação do documento, ou seja, a partir de 1830.
A lei brasileira de 1831, embora propusesse regulação do tema, acabou não sendo aplicada com rigor até a Lei Eusébio de Queirós de 1850, de modo que ficou conhecida como a lei “para inglês ver”.
O regime de livre comércio derivou, na verdade, das convicções liberais do Visconde de Cairu, influente junto ao regente D. João, e das pressões das elites locais, ansiosas por livrar-se das amarras do exclusivo metropolitano. Os desígnios ingleses seriam atendidos plenamente nos tratados desiguais de 1810.
O Tratado de Comércio e Navegação impôs tratamento preferencial aos produtos ingleses, que pagariam tarifa de 15%, inferior à dos demais países (24%) e mesmo à dos produtos lusos (16%).
O Tratado de Amizade e Aliança impôs limitações ao tráfico de escravos, que poderia ocorrer somente em possessões portuguesas.
A questão do tráfico permeou as relações entre Brasil e Inglaterra durante todo o período. No Congresso de Viena, após Napoleão ser derrotado e Portugal ter seu território europeu restaurado, foi firmado o compromisso de limitar o tráfico de escravos ao sul do Equador.
Em 1817, foram estabelecidos tribunais mistos para julgar os casos de tráfico ilícito, no Rio de Janeiro e em Serra Leoa. A Inglaterra, senhora dos mares, incomodava-se com o papel geopolítico que o tráfico de escravos exercia no Atlântico Sul e na costa africana.
O processo de independência do Brasil, em que a Inglaterra exerceu mediação, teve seu reconhecimento condicionado pelos britânicos ao compromisso brasileiro de extinção do tráfico. Este estaria proibido três anos após a ratificação do documento, ou seja, a partir de 1830.
A lei brasileira de 1831, embora propusesse regulação do tema, acabou não sendo aplicada com rigor até a Lei Eusébio de Queirós de 1850, de modo que ficou conhecida como a lei “para inglês ver”.
O reconhecimento da independência brasileira envolveu outras temáticas, que se somaram à questão do tráfico no processo tripartite entre Portugal, Brasil e Inglaterra.
Embora tendo conquistado a Independência pelas armas nacionais, com a participação de
mercenários ingleses – como o Almirante Cochrane –, o Brasil acabou por sujeitar-se a
pressões. Segundo Cervo, até meados de 1823, o processo foi conduzido, no lado
brasileiro, pelo santista José Bonifácio, partidário de perspectiva mais nacionalista.
Contudo, o Patriarca da Independência acabou afastado, dando lugar a um grupo que, em detrimento dos interesses nacionais, privilegiava os interesses dinásticos de D. Pedro I.
Ao fim das negociações, o Brasil comprometeu-se a não reivindicar a anexação das possessões lusas na África, a pagar indenização de dois milhões de libras a Portugal e a reconhecer os títulos de D. João VI, que os transmitiria a seu filho.
Sem ameaça real de intervenção estrangeira para uma reconquista, o Brasil fez concessões excessivas, desgastando a imagem do Imperador. O Brasil poderia ter feito uso da disputa entre os dois sistemas europeus – o da Santa Aliança, associado à tentativa de sobrevida do Antigo Regime, e o da “tríplice revolução atlântica”, liderado pelo desejo britânico pela abertura de mercados a seus manufaturados.
Nesse sentido, o reconhecimento britânico da Independência, conseguido em 1826, seria alcançado, de qualquer jeito, em 1827, quando o interesse pela renovação do tratado comercial de 1810 levaria a Inglaterra a passar por cima de sua aliança política com Portugal.
Na verdade, durante o período em questão (1808-1831), os ingleses tiveram foco negociador no Brasil, mesmo que a corte lusa mantivesse perspectiva metropolitana nas negociações de 1810. No auge do bloqueio continental, a América Latina serviu como válvula de escape, representando 35% das vendas externas inglesas.
Depois de derrotar Napoleão, a Inglaterra desejou manter a supremacia nesses mercados. Em 1827, o tratado comercial com o Brasil é renovado, com a manutenção do privilégio odioso da jurisdição especial do juiz conservador da nação inglesa, mas sem o tratamento preferencial, substituído pela cláusula da nação mais favorecida, sem comprometer a supremacia comercial britânica.
Além de alcançar seus objetivos no domínio econômico, a Inglaterra logrou êxito como mediadora nos conflitos do Prata, especialmente na Guerra da Cisplatina entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata.
A independência do Uruguai, como "algodão entre dois cristais", consagrou a paz e a livre navegação nos rios platinos, conforme os interesses comerciais britânicos. A Convenção de Paz de 1828, nesse sentido, favoreceu a Inglaterra e o nativismo articulista.
Contudo, o Patriarca da Independência acabou afastado, dando lugar a um grupo que, em detrimento dos interesses nacionais, privilegiava os interesses dinásticos de D. Pedro I.
Ao fim das negociações, o Brasil comprometeu-se a não reivindicar a anexação das possessões lusas na África, a pagar indenização de dois milhões de libras a Portugal e a reconhecer os títulos de D. João VI, que os transmitiria a seu filho.
Sem ameaça real de intervenção estrangeira para uma reconquista, o Brasil fez concessões excessivas, desgastando a imagem do Imperador. O Brasil poderia ter feito uso da disputa entre os dois sistemas europeus – o da Santa Aliança, associado à tentativa de sobrevida do Antigo Regime, e o da “tríplice revolução atlântica”, liderado pelo desejo britânico pela abertura de mercados a seus manufaturados.
Nesse sentido, o reconhecimento britânico da Independência, conseguido em 1826, seria alcançado, de qualquer jeito, em 1827, quando o interesse pela renovação do tratado comercial de 1810 levaria a Inglaterra a passar por cima de sua aliança política com Portugal.
Na verdade, durante o período em questão (1808-1831), os ingleses tiveram foco negociador no Brasil, mesmo que a corte lusa mantivesse perspectiva metropolitana nas negociações de 1810. No auge do bloqueio continental, a América Latina serviu como válvula de escape, representando 35% das vendas externas inglesas.
Depois de derrotar Napoleão, a Inglaterra desejou manter a supremacia nesses mercados. Em 1827, o tratado comercial com o Brasil é renovado, com a manutenção do privilégio odioso da jurisdição especial do juiz conservador da nação inglesa, mas sem o tratamento preferencial, substituído pela cláusula da nação mais favorecida, sem comprometer a supremacia comercial britânica.
Além de alcançar seus objetivos no domínio econômico, a Inglaterra logrou êxito como mediadora nos conflitos do Prata, especialmente na Guerra da Cisplatina entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata.
A independência do Uruguai, como "algodão entre dois cristais", consagrou a paz e a livre navegação nos rios platinos, conforme os interesses comerciais britânicos. A Convenção de Paz de 1828, nesse sentido, favoreceu a Inglaterra e o nativismo articulista.
Essas temáticas consolidaram o papel hegemônico que a Inglaterra exerceu no período, enquadrando o Brasil no esquema desigual que ela mantinha com Portugal. Nesse momento, os formuladores da política externa brasileira mostraram autonomia excessiva em relação à sociedade, prejudicando os interesses dela.
O "sistema de tratados", conforme Cervo, impuseram imobilismo ao Brasil até 1844, quando se ensaia um projeto de robustecimento da vontade nacional.
No período em questão, contudo, os tratados de livre comércio não favoreceram as elites agrárias, visto que os mercados europeus permaneceram fechados aos produtos brasileiros; obstaram o surgimento de setores mais dinâmicos, como a indústria; e prejudicaram a arrecadação fiscal, dependente de tarifas de importação.
O fracasso da ação externa à época da Independência desgastou o Imperador, que renuncia em 1831, e motivou o surgimento de uma tradição antitratados comerciais no Parlamento, a qual consiste em versão brasileira de um ideário pan-americanismo."
fonte: Guia de Estudo IRB para o CACD 2014
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