Guia de Estudos IRB - CACD 2014
Prova 2013 POLÍTICA INTERNACIONAL
Questão 1
Leia os seguintes trechos.
I - "Os desdobramentos preocupantes no campo da paz e da segurança
internacional
demonstram a necessidade de valorização cada vez maior da diplomacia e dos
meios pacíficos de solução de controvérsias.
Neste, assim como em outros casos, estaremos atentos para a contribuição que o
Brasil pode e deve dar, especialmente num contexto de uma já inadiável
transformação da governança internacional, que inclui a reforma do Conselho de
Segurança"
demonstram a necessidade de valorização cada vez maior da diplomacia e dos
meios pacíficos de solução de controvérsias.
Neste, assim como em outros casos, estaremos atentos para a contribuição que o
Brasil pode e deve dar, especialmente num contexto de uma já inadiável
transformação da governança internacional, que inclui a reforma do Conselho de
Segurança"
Discurso de Posse do Embaixador
Luiz Alberto Figueiredo Machado no
cargo de Ministro de Estado das
Relações Exteriores, 28 de agosto
de 2013.
John Ruggie. Multilateralism: The Anatomy of an Institution. In: International Organization, 46, verão de 1992.
Considerando os trechos acima como motivadores, elabore o conceito de multilateralismo, examine as funções do Conselho de Segurança e, com base nisso, analise o tratamento internacional do conflito na Síria.
VITOR AUGUSTO CARVALHO SALGADO DA CRUZ
"O fato de a Arábia Saudita ter sido recentemente eleita para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e ter renunciado ao posto logo em seguida soma-se à letárgica ação desse órgão em relação à crise na Síria e à situação do povo palestino para evidenciar os problemas que perpassam a atual governança global, em especial no que concerne o tema da paz e da segurança internacional.
Em face desses desafios, o Brasil, país historicamente vinculado à defesa do multilateralismo, propõe a reforma da governança global com base em parâmetros de legitimidade e eficácia.
O conceito de multilateralismo elaborado por John Ruggie diz respeito à cooperação nas relações internacionais em consonância com princípios compartilhados. Em um mundo caracterizado por desafios que afetam todos os Estados, nos âmbitos da segurança, da economia e do meio-ambiente, o multilateralismo é a melhor forma de se alcançar soluções concertadas.
Segundo Kofi Annan, o multilateralismo, por si só, não garante o sucesso, no entanto, o unilateralismo representa a certeza do fracasso. Nesse sentido, as ações unilaterais devem ser evitadas, o que é corroborado pelos recentes fracassos de países que optaram por empreender iniciativas de forma unilateral.
As mudanças que perpassam a atualidade determinam o surgimento de novos polos de poder, o que estimulou Jochen Prantl a formular a ideia de que o mundo atual é caracterizado por uma “multipolaridade sem multilateralismo”.
Esse cenário enseja instabilidades recorrentes, na medida em que o multilateralismo deve ser entendido como a expressão jurídica de uma ordem multipolar. Ademais, pode-se ressaltar que a multipolaridade não representará uma ordem mundial mais justa e equilibrada caso não seja acompanhada por regras claras que sejam aplicáveis a todos os países em igual medida.
Assim, para se evitar uma multipolaridade de confrontação, faz-se necessário trabalhar por uma multipolaridade benigna, capaz de organizar e fomentar a cooperação entre os povos.
A Carta da ONU representa um dos mais significativos compromissos assumidos pela sociedade internacional em relação ao multilateralismo. A ONU foi criada para evitar que os Estados incorressem em ações unilaterais, como aquelas que conduziram o mundo a duas Guerras Mundiais.
O Conselho de Segurança é o principal órgão da ONU para questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacional, cabendo a ele adotar medidas solução de controvérsias de caráter pacífico (Capítulo VI) ou coercitivo (VII).
Deve- se observar, entretanto, que o atual formato do Conselho, com dez membros não permanentes e cinco permanentes, muitas vezes cria impasses, que têm altos custos humanitários.
O Conselho foi projetado para que os desafios internacionais fossem resolvidos por meio da concertação multilateral, porém frequentemente as disputas entre seus membros o tornaram inativo e ineficaz. Um dos fatores que contribuem para esse cenário é que alguns membros percebem o Conselho como mero legitimador de intervenções em outros países ao invés de foro de concertação política capaz de gerar soluções pacíficas.
O conflito na Síria foi iniciado no contexto da chamada “Primavera Árabe” em 2011, mas o Conselho somente foi capaz de emitir uma decisão em 2013.
A resolução 2118, que incorpora o acordo entre EUA e Rússia sobre a Síria e o uso de armas químicas, foi um importante avanço, no entanto, a demora em se alcançar um acordo determinou a morte de centenas de milhares de pessoas, assim como a existência de milhões de refugiados e de deslocados internos.
A letárgica ação do Conselho permitiu, portanto, a consubstanciação do que a presidenta Dilma Rousseff chamou de a maior tragédia humanitária do século XXI. A questão síria é complexa, porquanto envolve diversos atores e interesses tanto no contexto interno quanto no externo. Assim, não há solução militar para o conflito, visto que nenhum dos lados consegue obter clara vantagem na guerra civil.
O uso de armas químicas e a existência de segmentos terroristas entre os grupos oposicionistas apenas complexifica ainda mais a questão. Apesar dos avanços decorrentes da colaboração entre a ONU e a OPAQ, faz-se necessário que o Conselho de Segurança atue de forma mais assertiva, por exemplo, por meio de decisões que cortem o fornecimento de material bélico para ambas as partes da disputa.
Para que o Conselho tenha capacidade de atuar de modo mais ativo, deve-se empreender uma reforma no órgão, visando incrementar sua legitimidade e sua eficácia. A legitimidade está diretamente relacionada ao déficit de representatividade do atual formato do Conselho.
O fato de a categoria de membros não permanentes ter sido expandida apenas uma vez, na década de 1960, e de a categoria de membros permanentes nunca ter sido objeto de ampliação demonstra o anacronismo da atual configuração do Conselho.
Vale lembrar que, quando foi fundada, a ONU tinha apenas 51 membros, enquanto na atualidade são 193. Uma reforma que ampliasse ambas as categorias torna-se imprescindível para que o Conselho seja dotado de maior representatividade, o que renovaria seu compromisso com o multilateralismo e evitaria tragédias como a da Síria, pois seria mais eficaz.
O incremento da eficácia do órgão decorreria precisamente da capacidade de articular consensos que envolvam mais atores de relevo, como, por exemplo, Brasil, Índia, Japão e Alemanha e alguns países do continente africano.
Essa posição é defendida pelo Brasil, país que, segundo Amado Cervo, apresenta
um compromisso histórico com o multilateralismo normativo.
O multilateralismo possibilita aos Estados institucionalizar princípios de conduta que contribuam para a construção de uma ordem internacional mais justa e equilibrada.
Nesse sentido, a estagnação do processo de reforma do Conselho de Segurança enfraquece o sistema de segurança internacional, na medida em que desrespeita a decisão adotada na Cúpula Mundial de 2005.
Em um mundo globalizado, no qual as ameaças são crescentemente fragmentadas e difusas, somente uma concertação no âmbito multilateral será capaz de enfrentar desafios que são comuns e inter-relacionados, os quais ocorrem nos âmbitos econômico, social, ambiental e no de paz e de segurança."
fonte: Guia de Estudo IRB para o CACD 2014
II - "O traço definidor do multilateralismo é não apenas que ele coordena as
políticas
nacionais entre grupos de três ou mais Estados (...), mas adicionalmente que o
faz com base em certos princípios de ordenamento das relações entre os
Estados".
nacionais entre grupos de três ou mais Estados (...), mas adicionalmente que o
faz com base em certos princípios de ordenamento das relações entre os
Estados".
John Ruggie. Multilateralism: The Anatomy of an Institution. In: International Organization, 46, verão de 1992.
Considerando os trechos acima como motivadores, elabore o conceito de multilateralismo, examine as funções do Conselho de Segurança e, com base nisso, analise o tratamento internacional do conflito na Síria.
VITOR AUGUSTO CARVALHO SALGADO DA CRUZ
"O fato de a Arábia Saudita ter sido recentemente eleita para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e ter renunciado ao posto logo em seguida soma-se à letárgica ação desse órgão em relação à crise na Síria e à situação do povo palestino para evidenciar os problemas que perpassam a atual governança global, em especial no que concerne o tema da paz e da segurança internacional.
Em face desses desafios, o Brasil, país historicamente vinculado à defesa do multilateralismo, propõe a reforma da governança global com base em parâmetros de legitimidade e eficácia.
O conceito de multilateralismo elaborado por John Ruggie diz respeito à cooperação nas relações internacionais em consonância com princípios compartilhados. Em um mundo caracterizado por desafios que afetam todos os Estados, nos âmbitos da segurança, da economia e do meio-ambiente, o multilateralismo é a melhor forma de se alcançar soluções concertadas.
Segundo Kofi Annan, o multilateralismo, por si só, não garante o sucesso, no entanto, o unilateralismo representa a certeza do fracasso. Nesse sentido, as ações unilaterais devem ser evitadas, o que é corroborado pelos recentes fracassos de países que optaram por empreender iniciativas de forma unilateral.
As mudanças que perpassam a atualidade determinam o surgimento de novos polos de poder, o que estimulou Jochen Prantl a formular a ideia de que o mundo atual é caracterizado por uma “multipolaridade sem multilateralismo”.
Esse cenário enseja instabilidades recorrentes, na medida em que o multilateralismo deve ser entendido como a expressão jurídica de uma ordem multipolar. Ademais, pode-se ressaltar que a multipolaridade não representará uma ordem mundial mais justa e equilibrada caso não seja acompanhada por regras claras que sejam aplicáveis a todos os países em igual medida.
Assim, para se evitar uma multipolaridade de confrontação, faz-se necessário trabalhar por uma multipolaridade benigna, capaz de organizar e fomentar a cooperação entre os povos.
A Carta da ONU representa um dos mais significativos compromissos assumidos pela sociedade internacional em relação ao multilateralismo. A ONU foi criada para evitar que os Estados incorressem em ações unilaterais, como aquelas que conduziram o mundo a duas Guerras Mundiais.
O Conselho de Segurança é o principal órgão da ONU para questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacional, cabendo a ele adotar medidas solução de controvérsias de caráter pacífico (Capítulo VI) ou coercitivo (VII).
Deve- se observar, entretanto, que o atual formato do Conselho, com dez membros não permanentes e cinco permanentes, muitas vezes cria impasses, que têm altos custos humanitários.
O Conselho foi projetado para que os desafios internacionais fossem resolvidos por meio da concertação multilateral, porém frequentemente as disputas entre seus membros o tornaram inativo e ineficaz. Um dos fatores que contribuem para esse cenário é que alguns membros percebem o Conselho como mero legitimador de intervenções em outros países ao invés de foro de concertação política capaz de gerar soluções pacíficas.
O conflito na Síria foi iniciado no contexto da chamada “Primavera Árabe” em 2011, mas o Conselho somente foi capaz de emitir uma decisão em 2013.
A resolução 2118, que incorpora o acordo entre EUA e Rússia sobre a Síria e o uso de armas químicas, foi um importante avanço, no entanto, a demora em se alcançar um acordo determinou a morte de centenas de milhares de pessoas, assim como a existência de milhões de refugiados e de deslocados internos.
A letárgica ação do Conselho permitiu, portanto, a consubstanciação do que a presidenta Dilma Rousseff chamou de a maior tragédia humanitária do século XXI. A questão síria é complexa, porquanto envolve diversos atores e interesses tanto no contexto interno quanto no externo. Assim, não há solução militar para o conflito, visto que nenhum dos lados consegue obter clara vantagem na guerra civil.
O uso de armas químicas e a existência de segmentos terroristas entre os grupos oposicionistas apenas complexifica ainda mais a questão. Apesar dos avanços decorrentes da colaboração entre a ONU e a OPAQ, faz-se necessário que o Conselho de Segurança atue de forma mais assertiva, por exemplo, por meio de decisões que cortem o fornecimento de material bélico para ambas as partes da disputa.
Para que o Conselho tenha capacidade de atuar de modo mais ativo, deve-se empreender uma reforma no órgão, visando incrementar sua legitimidade e sua eficácia. A legitimidade está diretamente relacionada ao déficit de representatividade do atual formato do Conselho.
O fato de a categoria de membros não permanentes ter sido expandida apenas uma vez, na década de 1960, e de a categoria de membros permanentes nunca ter sido objeto de ampliação demonstra o anacronismo da atual configuração do Conselho.
Vale lembrar que, quando foi fundada, a ONU tinha apenas 51 membros, enquanto na atualidade são 193. Uma reforma que ampliasse ambas as categorias torna-se imprescindível para que o Conselho seja dotado de maior representatividade, o que renovaria seu compromisso com o multilateralismo e evitaria tragédias como a da Síria, pois seria mais eficaz.
O incremento da eficácia do órgão decorreria precisamente da capacidade de articular consensos que envolvam mais atores de relevo, como, por exemplo, Brasil, Índia, Japão e Alemanha e alguns países do continente africano.
O multilateralismo possibilita aos Estados institucionalizar princípios de conduta que contribuam para a construção de uma ordem internacional mais justa e equilibrada.
Nesse sentido, a estagnação do processo de reforma do Conselho de Segurança enfraquece o sistema de segurança internacional, na medida em que desrespeita a decisão adotada na Cúpula Mundial de 2005.
Em um mundo globalizado, no qual as ameaças são crescentemente fragmentadas e difusas, somente uma concertação no âmbito multilateral será capaz de enfrentar desafios que são comuns e inter-relacionados, os quais ocorrem nos âmbitos econômico, social, ambiental e no de paz e de segurança."
fonte: Guia de Estudo IRB para o CACD 2014
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