sexta-feira, 19 de junho de 2015

[ Discursivas CACD ] PI 2013: Multilateralismo, CSONU e o conflito na Síria




























Guia de Estudos IRB - CACD 2014

Prova 2013 POLÍTICA INTERNACIONAL 

Questão 1

Leia os seguintes trechos.

I - "Os desdobramentos preocupantes no campo da paz e da segurança internacional  
     demonstram a necessidade de valorização cada vez maior da diplomacia e dos 
     meios pacíficos de solução de controvérsias. 

    Neste, assim como em outros casos, estaremos atentos para a contribuição que o 
    Brasil pode e deve dar, especialmente num contexto de uma já inadiável 
    transformação da governança internacional, que inclui a reforma do Conselho de 
    Segurança"

Discurso de Posse do Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado no cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores, 28 de agosto de 2013.


II - "O traço definidor do multilateralismo é não apenas que ele coordena as políticas 
      nacionais entre grupos de três ou mais Estados (...), mas adicionalmente que o 
      faz com base em certos princípios de ordenamento das relações entre os     
      Estados".

John Ruggie. Multilateralism: The Anatomy of an Institution. In: International Organization, 46, verão de 1992.

Considerando os trechos acima como motivadores, elabore o conceito de multilateralismo, examine as funções do Conselho de Segurança e, com base nisso, analise o tratamento internacional do conflito na Síria. 

VITOR AUGUSTO CARVALHO SALGADO DA CRUZ

"O fato de a Arábia Saudita ter sido recentemente eleita para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e ter renunciado ao posto logo em seguida soma-se à letárgica ação desse órgão em relação à crise na Síria e à situação do povo palestino para evidenciar os problemas que perpassam a atual governança global, em especial no que concerne o tema da paz e da segurança internacional. 

Em face desses desafios, o Brasil, país historicamente vinculado à defesa do multilateralismo, propõe a reforma da governança global com base em parâmetros de legitimidade e eficácia.

O conceito de multilateralismo elaborado por John Ruggie diz respeito à cooperação nas relações internacionais em consonância com princípios compartilhados. Em um mundo caracterizado por desafios que afetam todos os Estados, nos âmbitos da segurança, da economia e do meio-ambiente, o multilateralismo é a melhor forma de se alcançar soluções concertadas. 

Segundo Kofi Annan, o multilateralismo, por si só, não garante o sucesso, no entanto, o unilateralismo representa a certeza do fracasso. Nesse sentido, as ações unilaterais devem ser evitadas, o que é corroborado pelos recentes fracassos de países que optaram por empreender iniciativas de forma unilateral. 

As mudanças que perpassam a atualidade determinam o surgimento de novos polos de poder, o que estimulou Jochen Prantl a formular a ideia de que o mundo atual é caracterizado por uma “multipolaridade sem multilateralismo”. 

Esse cenário enseja instabilidades recorrentes, na medida em que o multilateralismo deve ser entendido como a expressão jurídica de uma ordem multipolar. Ademais, pode-se ressaltar que a multipolaridade não representará uma ordem mundial mais justa e equilibrada caso não seja acompanhada por regras claras que sejam aplicáveis a todos os países em igual medida. 

Assim, para se evitar uma multipolaridade de confrontação, faz-se necessário trabalhar por uma multipolaridade benigna, capaz de organizar e fomentar a cooperação entre os povos.

A Carta da ONU representa um dos mais significativos compromissos assumidos pela sociedade internacional em relação ao multilateralismo. A ONU foi criada para evitar que os Estados incorressem em ações unilaterais, como aquelas que conduziram o mundo a duas Guerras Mundiais. 

O Conselho de Segurança é o principal órgão da ONU para questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacional, cabendo a ele adotar medidas solução de controvérsias de caráter pacífico (Capítulo VI) ou coercitivo (VII). 

Deve- se observar, entretanto, que o atual formato do Conselho, com dez membros não permanentes e cinco permanentes, muitas vezes cria impasses, que têm altos custos humanitários. 

O Conselho foi projetado para que os desafios internacionais fossem resolvidos por meio da concertação multilateral, porém frequentemente as disputas entre seus membros o tornaram inativo e ineficaz. Um dos fatores que contribuem para esse cenário é que alguns membros percebem o Conselho como mero legitimador de intervenções em outros países ao invés de foro de concertação política capaz de gerar soluções pacíficas.

O conflito na Síria foi iniciado no contexto da chamada “Primavera Árabe” em 2011, mas o Conselho somente foi capaz de emitir uma decisão em 2013. 

A resolução 2118, que incorpora o acordo entre EUA e Rússia sobre a Síria e o uso de armas químicas, foi um importante avanço, no entanto, a demora em se alcançar um acordo determinou a morte de centenas de milhares de pessoas, assim como a existência de milhões de refugiados e de deslocados internos. 

A letárgica ação do Conselho permitiu, portanto, a consubstanciação do que a presidenta Dilma Rousseff chamou de a maior tragédia humanitária do século XXI. A questão síria é complexa, porquanto envolve diversos atores e interesses tanto no contexto interno quanto no externo. Assim, não há solução militar para o conflito, visto que nenhum dos lados consegue obter clara vantagem na guerra civil. 

O uso de armas químicas e a existência de segmentos terroristas entre os grupos oposicionistas apenas complexifica ainda mais a questão. Apesar dos avanços decorrentes da colaboração entre a ONU e a OPAQ, faz-se necessário que o Conselho de Segurança atue de forma mais assertiva, por exemplo, por meio de decisões que cortem o fornecimento de material bélico para ambas as partes da disputa.

Para que o Conselho tenha capacidade de atuar de modo mais ativo, deve-se empreender uma reforma no órgão, visando incrementar sua legitimidade e sua eficácia. A legitimidade está diretamente relacionada ao déficit de representatividade do atual formato do Conselho. 

O fato de a categoria de membros não permanentes ter sido expandida apenas uma vez, na década de 1960, e de a categoria de membros permanentes nunca ter sido objeto de ampliação demonstra o anacronismo da atual configuração do Conselho. 

Vale lembrar que, quando foi fundada, a ONU tinha apenas 51 membros, enquanto na atualidade são 193. Uma reforma que ampliasse ambas as categorias torna-se imprescindível para que o Conselho seja dotado de maior representatividade, o que renovaria seu compromisso com o multilateralismo e evitaria tragédias como a da Síria, pois seria mais eficaz. 

O incremento da eficácia do órgão decorreria precisamente da capacidade de articular consensos que envolvam mais atores de relevo, como, por exemplo, Brasil, Índia, Japão e Alemanha e alguns países do continente africano.

Essa posição é defendida pelo Brasil, país que, segundo Amado Cervo, apresenta um compromisso histórico com o multilateralismo normativo. 

O multilateralismo possibilita aos Estados institucionalizar princípios de conduta que contribuam para a construção de uma ordem internacional mais justa e equilibrada. 

Nesse sentido, a estagnação do processo de reforma do Conselho de Segurança enfraquece o sistema de segurança internacional, na medida em que desrespeita a decisão adotada na Cúpula Mundial de 2005. 

Em um mundo globalizado, no qual as ameaças são crescentemente fragmentadas e difusas, somente uma concertação no âmbito multilateral será capaz de enfrentar desafios que são comuns e inter-relacionados, os quais ocorrem nos âmbitos econômico, social, ambiental e no de paz e de segurança."


fonte: Guia de Estudo IRB para o CACD 2014  

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