Existe lugar para o indivíduo na sociedade dos Estados?
Esta tem sido uma questão que o Direito Internacional Público tem dado significativa atenção, com inúmeras discussões e na qual importantes avanços podem ser considerados.
Mas, se a problemática da subjetividade internacional do indivíduo durante muitos anos se restringia ao enfoque do homem particular, individualmente considerado, recentemente tem tido contornos menos restritos.
Com o nível de evolução da sociedade atual, novos problemas surgiram nas relações internacionais e o Direito Internacional, não poderia simplesmente fechar os olhos para esta nova realidade.
No intuito de buscar maior efetividade, os doutrinadores mais recentes, sem resolver definitivamente a questão restrita ao homem, passaram a analisar juntamente a subjetividade de pessoas coletivas, não apenas de Direito Público, mas também de Direito Privado, e mesmo de entes sem qualquer qualificação de personalidade como os povos e as minorias.
Na esteira desta problemática Wolfgang Friedmann leciona que o termo nacional ou indivíduo, no direito internacional, abrange não apenas os seres humanos, mas também órgãos corporativos.
O intuito deste trabalho é justamente fazer uma análise da possibilidade do indivíduo possuir ou não subjetividade perante o “Direito das Gentes”, dentro de seu atual estágio evolutivo.
Bases Históricas
A sistematização do Direito Internacional Público como conhecido atualmente é relativamente recente de forma que podemos dar como período aproximado da sua origem os séculos XVI e XVII.
O direito internacional surge quando se estabelecem relações com certa estabilidade entre grupos com poder de autodeterminação. Entretanto, a idéia da sistematização de normas que regulassem a relação entre os homens, com uma preocupação com questões internacionais como a paz e a guerra é remota, precede a formação dos Estados modernos, remontando da antiguidade.
Com base nisto, Antonio Truyol y Serra refere-se à existência de uma verdadeira “pré-história” do Direito Internacional Público.
Existem notícias da realização de um tratado proveniente do período de 3.100 A.C para fixar os limites de Lagash e Umma, duas cidades-Estados da Mesopotâmia.
Em Roma, apesar de um abandono do direito internacional em virtude de seu predomínio sobre os demais povos, ecoam notícias do jus gentium, em que se previam normas, tanto de direito privado como de direito público, que os estrangeiros poderiam invocar nas relações com os cidadãos romanos. Estas normas surgiram, principalmente, como forma de viabilizar o comércio com os mesmos.
Mas as idéias mais remotas do “Direito das Gentes” sempre tiveram uma constante: a noção de unidade do gênero humano que defendia a paz e a fraternidade universais. Esta noção decorria dos mais variados sentimentos religiosos através dos tempos e do espaço, de Confúcio, Buda, ao povo judeu e ao cristianismo.
São Paulo, na sua carta aos Gálatas assim doutrina: Não existe mais judeu nem grego. Não existe mais escravo nem livre. Não existe mais homem nem mulher; porque todos vocês são um só em Cristo Jesus.
Buscava-se, então, um embasamento jurídico ético, para tais pensamentos. Algo válido para todos os homens, sem distinção de raça ou cultura, em que se consubstanciasse esta ideologia. O termo “direitos das gentes” para o direito internacional público provém justamente desta ânsia, de igualdade entre todos os homens que ressoa da antiguidade.
Do direito alemão provém outra terminologia utilizada que parece pertinente: “direito dos povos”.
Por outro lado, na própria origem do Direito Internacional na forma que conhecemos atualmente, produto de uma sociedade politicamente organizada, verifica-se a existência de tais pensamentos.
A Escola Espanhola do Direito das Gentes, contemporânea dos grandes descobrimentos marítimos, possuía conteúdo naturalista e pregava a existência de uma comunidade internacional¸ da qual faziam partes todos os povos do mundo, restaurando a ideia de igualdade do gênero humano.
Francisco de Vitória, primeiro idealizador do Direito Internacional, desprezava o nacionalismo exclusivista e defendia o relacionamento entre as nações como decorrência da sociabilidade natural entre os povos.
Este pensamento também encontra amparo em Hugo Grócio, grande pensador do Direito Internacional Público. Este, todavia, também enfatiza o surgimento de regras a partir do consentimento entre os Estados, formando-se assim, um fundamento simultaneamente jusnaturalista e positivista do Direito das Gentes.
Com base nestas teorias, arraigados ao direito natural, e ao ius gentius Romano, os autores clássicos do Direito Internacional admitiam a subjetividade internacional do indivíduo.
Foi apenas a partir do século XIX que este pensamento foi sendo repelido. Com o surgimento dos Estados modernos advém o que se denominou de “aristocracia dos Estados” que, aliás, é importante ressaltar, muitas vezes se restringia ao próprio imperador (L’etat C’est moi). Assim, relegou-se o indivíduo a um segundo plano e se possibilitou sua ação internacional apenas através dos Estados.
Para René-Jean Dupuy esta exclusão decorreu da concentração do poder como função de solidariedade sentida pelos Estados.
Nestes termos:
“A tendência natural destes é a de salvaguardar o seu monopólio, de abrir a organização apenas aos Estados, de não acolher os indivíduos como tal. Por outro lado, o seu objetivo não é de modo nenhum constituir um poder acima deles, um governo supra-estadual, mas a maior parte das vezes, procuram limitar-se a constituição de um aerópago onde possam cooperar com vista à realização de um interesse comum.”
Doutrinas sobre a personalidade internacional
Modernamente, por força de um maior inter-relacionamento entre os Estados, decorrente de uma crescente interdependência e de maiores facilidades de comunicação e transporte, o direito internacional tem encarado novos desafios.
Outros atores surgem nas relações internacionais e se resgata a preocupação com o indivíduo, principalmente em decorrência de violações aos direitos humanos. Iniciam-se tentativas de tutela jurídica do indivíduo fora do estado de que é nacional e se tenta punir violadores destes direitos, ignorando sua condição interna dentro de um Estado.
Para Celso de Albuquerque de Mello embora a subjetividade jurídico-internacional do indivíduo pareça uma questão simples, não é puramente acadêmica. Aduz que existem razões importantes para que o homem seja considerado sujeito de Direito Internacional, citando a dignidade humana, que leva a ordem jurídica internacional reconhecer e proteger direitos a ele relativos, e a própria noção de Direito, obra do homem para o homem.
As doutrinas que se defrontam neste dilema são fundamentalmente a doutrina estatal e a individualista. A primeira, decorrente da concepção positivista voluntarista do Direito Internacional, baseada no dualismo, afirma que apenas o Estado é sujeito de Direito Internacional, uma vez que este ramo da ciência é fruto da própria vontade estatal.
Da ordem jurídica internacional não surgem direitos nem deveres ao indivíduo que somente é afetado por tal ordem indiretamente, por meio do Estado de que é nacional. Seus maiores defensores são Anzilotti e Triepel.
Por outro lado, a doutrina individualista, de concepção monista antivoluntarista, coloca o sujeito não como mero sujeito do DIP, mas como seu único sujeito. Por decorrerem os Estados de meras técnicas de gestão de interesses coletivos, sendo reduzidos a inúmeros indivíduos, a eles não poderia ser dada à condição de sujeitos. Esta teoria foi defendida primeiramente por Duguit, em 1901 e seus seguidores foram Scelle e Polits, dentre outros.
A opinião de Hans Kelsen difere um pouco das acima mencionadas. Afirma o mestre de Viena que tanto os Estados como os indivíduos possuem subjetividade internacional.
Nestes termos: “la opinión tradicional de que los sujetos del derecho internacional son solamente los Estados y no los particulares, y de que tal derecho es incapaz, por su misma naturaleza, de obligar e facultar a estos, es errónea” pois “todo derecho es regulador de la conducta humana”.
Existem outros autores ainda que enfrentam esta problemática de uma forma diferenciada, aceitando o indivíduo com um sujeito secundário de direito internacional.
Por fim, existem os que aceitam o indivíduo apenas como objeto do Direito internacional, como Sereni e Quadri.
Da análise da bibliografia citada se percebe que a maioria dos autores entende que o indivíduo pode ser sujeito de Direito Internacional, principalmente em decorrência da tendência ao monismo deste ramo do direito.
Assim, aceita-se que, em tese, o indivíduo possa ter subjetividade jurídico-internacional, apenas dependendo da forma de como as normas deste ordenamento jurídico o contemple. Ou seja, se destas normas se puder retirar os requisitos de um sujeito de direito, tais como possibilidade de atuação ou mesmo responsabilização do indivíduo, diretamente pela ordem internacional, pode ser que o indivíduo seja considerado um sujeito de Direito Internacional.
Nestes termos a lição de André Gonçalves Ferreira e Fausto de Quadros, já introduzindo o que será a seguir exposto:
“Por nós não temos dúvida de que, ao lado do Estado, também o indivíduo pode, em abstrato, ser sujeito de Direito Internacional. Mas isto não significa que o seja efetivamente sempre: tudo depende do estado do Direito Positivo – assim, por exemplo, é indubitável que durante o século XIX as normas de Direito Internacional se não dirigiam diretamente aos indivíduos, não alterando em nada a sua esfera jurídica. Só que a situação se alterou entretanto”.
Requisitos para existência de subjetividade internacional
Inúmeras normas de Direito Internacional citam os indivíduos e repercutem em sua esfera jurídica. Contudo, isto não significa que de tais normas decorram a subjetividade jurídico-internacional dos mesmos.
A maioria das normas internacionais que contemplam o indivíduo tem como destinatários não este, mas o Estado, obrigando-o a tomar medidas internas dirigidas aos indivíduos.
Dessa forma, ele somente é atingido indiretamente por tal normatividade. Com relação a estas normas estão corretos os autores que falam que o indivíduo nada mais é do que objeto do Direito das Gentes.
Mas então de quais normas decorreriam a possibilidade de se considerar o indivíduo como sujeito de Direito Internacional? Que características, quais os pressupostos que possuem os sujeitos de um sistema jurídico e que deveria ter o indivíduo para que tivesse subjetividade internacional?
Novamente aqui a doutrina é bastante vacilante. Da lição de Kelsen, anteriormente citada não se podem vislumbrar estes requisitos. Ao afirmar que todo direito é regulador da conduta humana o que se evidencia é apenas que ele quer dizer que sempre, mesmo que indiretamente, o sistema jurídico visa o comportamento do homem.
Todavia, embora este pensamento sirva de base para afirmar seu posicionamento sobre o indivíduo na ordem jurídica internacional, se tivermos por base sua reflexão, o indivíduo sempre seria sujeito internacional, independentemente da existência de normas internacionais que assim o contemplem.
Numa primeira análise na realidade da sociedade relacional já se percebe que este pensamento não pode vingar. Se não existam normas que contemplem o indivíduo como sujeito de direitos ele não pode ser assim considerado.
Já Carlos Roberto Husek, citando Gerson de Britto Mello Boson, juntamente com Fausto de Quadros e André Gonçalves Pereira afirmam que a subjetividade internacional decorre da existência de direitos e obrigações reconhecidos diretamente aos seus sujeitos. Ou seja, para que alguém possuísse personalidade internacional deveria ter direitos e obrigações contempladas a estes entes, independente do estado de que sejam nacionais.
José Francisco Rezek, a voz mais saliente, dos autores consultados, contra a subjetividade do indivíduo, afirma que o fato de normas internacionais o contemplar não significa que ele possua tal qualidade. Aduz que aflora e a fauna também constituem objeto de proteção por normas do Direito das Gentes, sem que lhes tenha pretendido por isso, atribuir personalidade jurídica.
Somente se aos indivíduos fosse dada a capacidade de exercício de direitos e responsabilização pelas obrigações isto poderia ocorrer.
Boson contra-argumenta este requisito.
São as seguintes as suas palavras:
“A capacidade jurídica de agir pressupõe a personalidade, e não o contrário. A capacidade é um desdobramento da personalidade, que, por sua vez, se desdobra em capacidade processual de agir e esta, em direito de postular instâncias internacionais na forma que for determinada pelos criadores de tais instâncias.
Assim, a verificação de que normas de Direito Internacional declaram direitos subjetivos individuais basta para, em conceitos de realidade jurídica, excluir as deduções dos que negam a personalidade internacional do Homem, baseados em argumentos rotineiros de processualística.”
A dúvida permanece, mas, das lições acima descritas já se evidenciam dois elementos utilizados pelos doutrinadores para questionar a existência de um sujeito de direitos.
O primeiro deles, incólume a questionamentos, se trata da existência de direitos e obrigações aos indivíduos independentemente dos Estados aos quais sejam nacionais e o segundo, sujeito a divergências, a possibilidade de exercer seus direitos, ou de ser responsabilizado pelos seus atos, sem a intermediação do Estado.
Mas seriam somente estes os requisitos? Para Mugerva não. Tratando da existência de sujeitos dentro de um sistema jurídico, abstratamente enfocado, ele tece as seguintes considerações:
“El ser un sujeto en un sistema de derecho, o el ser una persona jurídica según las reglas de ese sistema, implica tres elementos esenciales:
1) Un sujeto tiene deberes, y por consiguiente incurre en responsabilidad por cualquier conducta distinta de la prescrita por el sistema.
2) Un sujeto tiene capacidad para reclamar el beneficio de sus derechos. Esto es algo más que ser simplemente el beneficiario de un derecho, pues un número considerable de reglas puede satisfacer los intereses de grupos de indivíduos que no tienen derecho de reclamar los beneficios concedidos por dichas normas particulares.
3) Un sujeto posee la capacidad para establecer relaciones contractuales, o de cualquier otra índole legal, con otras personas jurídicas reconocidas por el sistema de derecho en cuestión.”
Desta sua análise se percebe um terceiro requisito, não citado pelos demais. Traz ele como elemento caracterizador de um sujeito de direitos a capacidade de ser agente criador do direito, agente com possibilidade de atuar na formação e modificação do mesmo, estabelecendo relações com as demais pessoas do mesmo sistema jurídico.
Levando para o plano internacional a subjetividade internacional do indivíduo dependeria da possibilidade deste, independentemente de sua nacionalidade, estabelecer relações com os Estados, com Organizações Internacionais ou com outros sujeitos internacionais.
Assim temos três requisitos, não isentos a divergências, que são os elementos identificadores de um sujeito de direitos.
Situações jurídicas que contemplam o homem, indivíduo particular
Como dito anteriormente, existem inúmeras normas jurídicas que contemplam o homem, pelo Direito Internacional. Passa-se agora a analisar estas situações verificando-se a existência ou não da subjetividade internacional do indivíduo, em cada uma delas, com base nos requisitos acima expostos de titularidade de direitos e obrigações, invocabilidade de jurisdição e possibilidade de estabelecer relações.
Crimes internacionais
No plano dos deveres o indivíduo foi, há bastante tempo, abrangido pela lei penal internacional. A pirataria foi o primeiro dos crimes reprimidos por esta ordem jurídica internacional, principalmente em decorrência de sua característica de possibilidade de ocorrer fora da jurisdição de qualquer país.
Entretanto, sua contemplação normativa, atualmente prevista na Convenção de Genebra sobre o alto mar, de 1958, dirige-se diretamente aos Estados, possibilitando que um navio aprisione outro suspeito de pirataria e posteriormente o Estado o julgue na forma do Direito interno.
Dessa forma, tais regras não têm projeção na esfera jurídica individual.
Posteriormente, surgiu a responsabilização por crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Decorreu da necessidade de se punir os agentes de tais delitos que, dentro da ordem jurídica interna estivessem protegidos.
A doutrina cita os casos conhecidos do Tribunal de Nuremberg, de Tóquio e mais recentemente os Tribunais penais internacionais para a ex-Iugulsávia e para Ruanda. Todos eles constituíram-se em tribunais penais que ad hoc, criados ex post facto, e nos quais houve a responsabilização do indivíduo pelos seus atos diretamente da ordem internacional, ou seja, não eram os Estados partes passivas nos litígios, mas sim os próprios indivíduos.
Entretanto, é bastante questionável utilização destes exemplos para a análise da subjetividade internacional do indivíduo, principalmente em decorrência do caráter meramente temporário destes tribunais.
Não há dúvida de que através deles ocorreu um avanço, com a possibilidade de responsabilizar diretamente os indivíduos, contudo não se pode dizer que, ordinariamente, ressalvados estes exemplos excepcionais, ao indivíduo decorram obrigações diretamente da ordem internacional.
É importante mencionar que esta realidade pode mudar dentro de pouco tempo com a criação do Tribunal Penal Internacional que será de caráter permanente. Este terá personalidade jurídica própria e competência para julgar graves crimes que tenham transcendência internacional, ligados aos direitos fundamentais. A partir de seu funcionamento existirá a possibilidade de responsabilização penal de forma internacional permanente, dos indivíduos, pessoas naturais.
Todavia, até o presente momento, não se pode dizer que exista a possibilidade de, fora ocasiões excepcionais, o indivíduo ser responsabilizado por atos delituosos diretamente pela ordem internacional.
Proteção Internacional dos Direitos do Homem
Certamente este seja o campo mais fértil para a presente discussão e que mais tem evoluído nos últimos anos.
A proteção internacional dos direitos humanos representa uma preocupação cada vez mais presente no cenário internacional. Sua efetivação, que inicialmente tinha por intuito a proteção meramente diplomática dos nacionais que se encontrassem em território estrangeiro, atualmente tem mudado de enfoque.
Buscam-se meios mais eficazes de tutela, inclusive através de atuação jurisdicional, e, o que é mais importante, tenta-se proteger o homem independente do Estado ao qual esteja vinculado, apenas em decorrência de sua condição de ser humano.
Inicialmente, vale mencionar que muitos são os tratados e acordos internacionais que tem por objeto proteção dos direitos fundamentais. Entretanto, a maioria deles tem o indivíduo como mero objeto de direitos, afetado apenas indiretamente, através dos Estados. Via de regra, são estes os destinatários dos acordos, como entes responsáveis na realização dos direitos daqueles.
Dentro desta sistemática, a Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui, sem dúvida, um marco no que tange a afirmação dos direitos fundamentais do homem. Sua importância reside na imposição de um código de atuação para os Estados, através do reconhecimento universal dos direitos fundamentais que consolida um parâmetro internacional para a proteção dos mesmos.
Por outro lado, o impacto desta Declaração fez com que os direitos nela previstos fossem transportados para as Constituições nacionais, gerando inclusive um efeito jurídico de tais direitos.
Todavia, sobre sua efetividade, vale mencionar que, no dizer de Seitenfus e Ventura, trata-se de umadeclaração emanada na forma de resolução da AG. Como já notado anteriormente, tais recomendações possuem um peso político e moral descartada a obrigatoriedade jurídica. Por sinal, não foi previsto instituto de controle da aplicabilidade das normas, sugerindo uma escassa eficácia.
Assim, embora importante por seu peso político e moral, no que tange a subjetividade internacional do indivíduo nada se acrescentou com a DHDU. Ela apenas procurou garantir direitos dentro da ordem interna de cada país. Tem como destinatário não os indivíduos, mas sim os Estados, no sentido de que estes venham a garantir tais direitos aos seus cidadãos.
Além disto, não consubstancia meios de fazer valer estes direitos senão através de seu próprio Estado. Sendo assim, ainda aqui, permaneceu o indivíduo fora do DIP.
Esta regra não se restringe apenas à DHDU. Vale mencionar que existem outras inúmeras declarações firmadas ao redor do mundo e durante o decorrer da história que seguem a DHDU sobre a subjetividade dos indivíduos, na forma acima descrita.
Neste ínterim, é importante ter presente que a Carta das Nações Unidas, no art. 1º, § 3º de sua Carta, demonstra que um dos propósitos da ONU consiste em promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Com base nisto, uma violação flagrante aos direitos fundamentais pode ensejar o infrator a medidas de coerção, também previstas na referida Carta. Esta possibilidade tem sido considerada uma grande exceção à cláusula de jurisdição doméstica ou de domínio reservado dos Estados, principalmente quando se tem presente que, até pouco tempo, a relação entre os nacionais com seu país não era preocupação do Direito Internacional.
Este contexto enfrentou uma relativa transformação com o advento de dois estatutos regionais que objetivavam a implementação dos direitos humanos nos continentes respectivos.
Em Roma, em 1950, os Estados-membros do Conselho da Europa firmaram a Convenção Européia dos Direitos do Homem (CEDH). Já em São José, na Costa Rica, em 1969 seus participantes acordaram a Convenção Americana dos Direitos do Homem, também conhecida como Pacto São José da Costa Rica.
A inovação trazida por estes acordos é que através dele existe a possibilidade de que o indivíduo atue diretamente, junto a um organismo internacional, na tutela de seus direitos.
No art. 44 da Convenção Americana está previsto que qualquer pessoa, ou grupo de pessoa, ou qualquer entidade não governamental, legalmente constituída dentro de um dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos, pode apresentar petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos contendo denúncias ou queixas de violações da referida convenção por um Estado-Parte.
Através deste dispositivo se percebe a possibilidade de invocação da jurisdição internacional por parte dos indivíduos, sem a necessidade de intervenção de seu Estado – até porque é este que na maioria das vezes é o principal violador dos direitos dos seus cidadãos. A principal crítica que se faz é a atuação do indivíduo não se dá diretamente a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, com sede na Costa Rica.
A petição dos indivíduos deve ser encaminhada, primeiramente à Comissão Interamericana, com sede em Washington. Esta faz uma primeira análise, toma as medidas cabíveis dentro de sua competência e apenas se pertinente a reclamação e não resolvida pelo Estado é que a Comissão apresente a reclamação junto à Corte.
As outras críticas ao sistema residem na necessidade de esgotamento dos meios jurídicos domésticos para apenas após fazer a reclamação internacional, da previsão de longos prazos para a efetivação das medidas e, principalmente, na existência de dez países membros da Organização dos Estados Americanos que não assinaram a Convenção, sendo que dentre as principais faltas podemos citar Canadá, Cuba e Estados Unidos.
No que tange a atuação do indivíduo diretamente perante a Corte Interamericana, vale mencionar que até o presente momento não existe esta possibilidade. Apenas a Comissão e os Estados podem litigar perante a Corte.
A sistemática baseada na Convenção Européia dos Direitos Humanos é basicamente a mesma da acima descrito, até mesmo porque esta desempenhou grande influência na edição do Convenção Americana. O importante é ressaltar apenas uma peculiaridade.
Ao contrário do que ocorre no sistema americano, na Europa existe a possibilidade do indivíduo atuar diretamente junto à Corte Européia. Pouco tempo atrás ele deveria passar preliminarmente pelo crivo da Comissão Européia, porém com o advento do Protocolo n. º 9 passou-se a prescindir da intermediação desta Comissão.
Posteriormente, com o edição do Protocolo n. º 11, do ano 2.000, houve a extinção da Corte e da Comissão, sendo criado o Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Neste, o indivíduo pode peticionar diretamente pela garantia de seus direitos.
Ressalvada esta diferença, não é demais repetir que a possibilidade da atuação direta pelo indivíduo é, também na Europa, bastante restrita, com inúmeros requisitos e longos prazos de averiguação.
A importância destas convenções para o estudo ora realizado é que elas nos trazem um elemento novo, de invocabilidade de jurisdição internacional por parte do indivíduo.
Com a existência deste elemento, conjugado com a possibilidade de criação do Tribunal Penal Internacional se percebe que dos três requisitos mencionados no item “4” deste estudo, existe uma significativa probabilidade da configuração dos dois primeiros destes pressupostos, ou seja, dos direitos e deveres contemplados diretamente da ordem internacional e da possibilidade de invocar a jurisdição.
Estaria então faltando, apenas o terceiro daqueles requisitos, ou seja, a possibilidade de atuação do indivíduo na formação e modificação do direito através do estabelecimento de relações com os sujeitos internacionais tradicionais.
As minorias e os povos
As Minorias
O problema das minorias ressurgiu nos últimos anos no cenário internacional, principalmente em decorrência da ampla divulgação da guerra civil da ex-Iuguslávia e dos inúmeros casos conhecidos no continente Africano.
Na época da Liga das Nações, muito se discutia a respeito do sentido e do alcance do termo minorias. Relata Accioly, que em 1925 um representante brasileiro no conselho da Liga (Afrânio de Mello Franco) em declaração escrita que se tornou bastante conhecida, sustentou que o termo não se referida a um mero agrupamento étnico incrustado no corpo de um Estado em que a maioria da população fosse de raça diferente.
Sugeriu serem essenciais, outrossim, fatores psicológicos, sociais e históricos distintos.
Para Charles de Visscher uma minoria, no sentido próprio do termo, é constituída por um grupo que, fixado historicamente num território determinado, se opõe tradicional e conscientemente, por certos traços distintivos, à massa dos cidadãos do Estado, ao qual está incorporado.
O conceito de minorias pelo qual o Direito Internacional possui grande preocupação enfoca também a existência de uma determinada desigualdade jurídica entre os participantes da mesma e os demais habitantes do Estado em questão.
Assim é necessário que, além das peculiaridades descritas, exista uma efetiva discriminação no tratamento entre estes. O simples fato de ser um grupo diferenciado não resultaria preocupação do Direito Internacional se concorrente com este elemento não existisse a desigualdade de forças legais.
Vale mencionar que dentro das pretensões do presente estudo este conceito é suficiente. Todavia, é necessário ter claro que muitas são as dúvidas e discussões existentes ainda quanto ao alcance do termo ou mesmo quanto à titularidade da definição se um determinado grupo pode ou não ser considerado minoria sujeita a proteção internacional.
Aliás, existem autores que aduzem a impossibilidade de se definir o que seja uma minoria.
Com relação à preocupação do Direito Internacional pelas minorias, pode-se dizer que remonta do século XVII, do Tratado de Paz de Vestfalia, que já continha cláusulas relativas às minorias religiosas.
Muitos outros tratados sucederam desde então fazendo referências às minorias, mas foi somente no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, que apareceu primeiramente direitos reconhecidos diretamente às minorias. A partir de então, deixou-se a mera proteção diplomática para a sua personalidade jurídica própria.
O art. 27 do referido pacto reconheceria o direito delas de usufruir sua própria cultura, religião e língua.
Este direito não é reconhecido apenas de forma individual, mas também de poder ser utilizado em benefício do próprio grupo. Por outro lado, vale mencionar que os membros das minorias podem dirigir petições diretamente à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, invocando a violação de seus direitos.
A principal crítica, entretanto, reside na falta de efetividade da proteção de tais direitos, principalmente como decorrência da falta de fiscalização e dos limites de ação da Comissão.
Com relação aos requisitos enumerados anteriormente para a consideração da subjetividade do indivíduo pode-se perceber que as minorias também não possuem o último dos pressupostos, qual seja, a possibilidade de ser sujeito criador e formador do Direito.
A autodeterminação dos povos
O direito de autodeterminação dos povos está consagrado nos arts. 1º, § 2º e 55 da Carta da ONU e se relaciona com a aspiração dos povos a uma existência política independente, condição necessária para relações dos Estados entre si, relações de liberdade de ação, de igualdade entre nações, de coordenação, jamais de subordinação, confirmado pelo próprio sistema de tutela da ONU (Capítulo XII da Carta), cujo principal objetivo é acelerar a independência dos povos não-autodeterminaveis.·
A identidade entre dos membros de um povo implica numa tomada de consciência da unidade nacional, através de vários fatores como religião, língua, cultura, dentre outros, corroborada pelo caráter de estabilidade da sua existência. Com isto, parte-se para o anseio de uma existência independente de outros governos, notadamente dos colonizadores.
O princípio da autodeterminação dos povos decorreu de uma regra de Direito Internacional consuetudinário. A partir do final da Primeira Guerra Mundial e especialmente após a Segunda Grande Guerra que inúmeros povos conseguiram sua independência com base neste princípio.
Hodiernamente a maioria dos doutrinadores procura localizar este princípio no tempo, afirmando que ele corresponde apenas às aspirações anticolonialistas dos períodos pós-guerras. Com isto, afastam inclusive a possibilidade de secessão de um povo fixado dentro de um Estado independente.
Assim como a questão das minorias, muitas dúvidas existem ainda quanto ao alcance do princípio da autodeterminação dos povos, ensejando discussões no plano teórico.
Sobre a possibilidade de este princípio consagrar a subjetividade do indivíduo, André Ferreira e Fausto de Quadros são da seguinte opinião:
“O direito à autodeterminação dos povos é reconhecido diretamente aos povos dos territórios ‘não autônomos’ ou territórios ‘sem governo próprio’, hoje na terminologia do art. 73º da Carta da ONU. Configura pois, um caso em que o indivíduo (neste caso na acepção de povo) é sujeito de Direto Internacional Comum.
Vale mencionar que este princípio é complementado pelo princípio da não intervenção, que é um princípio fundamental do relacionamento entre entes soberanos.
Intimamente relacionado com a autodeterminação dos povos estão também os casos de beligerância e insurgência. O primeiro ocorre quando revoltosos, dentro de um Estado, formam tropas regulares e mantém sobre o seu controle parte do território nacional.
No segundo ocorre quando as revoltas assumem proporção menos significativa, não ensejando a guerra civil.
O Direito Internacional tem consagrado a subjetividade dos povos nestes casos tanto que se possibilita o reconhecimento, por diversos Estados, dessas qualidades como forma de obrigar as partes a lutar sobre as leis da guerra e de responsabilizá-los, diretamente, por atos que venham a praticar.
Tendo em vista os requisitos mencionados no início deste trabalho, no que tange a subjetividade dos povos, pode-se dizer que também não estão presentes todos os mesmos. Novamente aqui existe a proteção internacional, porém não há a possibilidade de atuar na formação do Direito.
As Sociedades Comerciais
Com o incremento do comércio mundial, cada vez mais as sociedades comerciais participam das relações internacionais. Sua denominação mais utilizada foi, primeiramente, empresas multinacionais, posteriormente a terminologia empresa transnacional passou a ser empregada.
A primeira dificuldade consiste em melhor caracterizá-las. Francesco Fracioni dá como elementos de tais empresas:
a) um significativo potencial financeiro;
b) um patrimônio científico e tecnológico;
c) a internacionalização da administração; e
d) unidade econômica e diversidade jurídica das diferentes unidades.
Tendo em vista o grande poder que elas detêm e o fato de que a maioria dos países em que elas se instalam não possuírem qualquer poder sobre elas uma das principais preocupações do Direito Internacional com relação a estas empresas têm sido a confecção de um código de conduta que estabelecesse regras para sua atuação.
Albuquerque de Mello refere-se que a noção de empresa multinacional é econômica e não jurídica, isto é, no direito as empresas têm como regra apenas uma nacionalidade. Faz menção ainda a algumas exceções, lembrando o caso da Itaipu Binacional.
Quanto aos requisitos para consideração de sua subjetividade vale mencionar que as sociedades não têm acesso à jurisdição internacional para fazer valer seus direitos. O que pode ocorrer é a submissão de seus litígios à tribunais arbitrais independentes ou tribunais ad hoc.
Com isto, ao que parece, o simples fato delas agirem em âmbito internacional não lhes concede a personalidade jurídica do direito internacional. Existem autores que citam a existência de acordos entre tais empresas e governos locais, como forma de dar-lhes tal subjetividade, entretanto, o Direito Internacional considera estes instrumentos meros contratos e persiste em lhes negar subjetividade jurídica.
Com isto o que se percebe é que, até o presente momento o Direito Internacional não concebe qualquer requisito de subjetividade às sociedades comerciais.
As Organizações não governamentais (ONGs)
A última forma de organização de indivíduos que merece ser analisada quanto à possibilidade de ser considerada sujeito de Direito Internacional Público são as Organizações não governamentais.
São elas pessoas jurídicas sem fins lucrativos, podendo ser tanto fundações quanto associações, criadas por iniciativas privadas ou mistas e que congregam pessoas de várias nacionalidades na defesa de interesses comuns.
Tem por objetivo lutar por diversas causas, geralmente humanitárias ou ecológicas, ingerindo e às vezes até ajustando a atuação dos Estados ou de empresas.
Via de regra, possuem personalidade jurídica privada, de direito interno, no país em que possuem a sua sede. Seu caráter extremamente heterogêneo dificulta a evolução de sua capacidade internacional.
Entretanto, pode-se citar alguns exemplos que atingiram estágios de desenvolvimento compatíveis com uma principiante subjetividade internacional, como o Comitê Olímpico Internacional e o Green Peace.
Todavia, o exemplo mais significativo é a Cruz Vermelha Internacional. Trata-se de uma associação constituída sob a égide do direito interno suíço, mas que desempenha importantes funções internacionais na finalidade de defesa humanitária.
Dentro de tais serviços ela goza do direito de atuar em diversos Estados, por razões humanitárias, sempre com a autorização dos mesmos. Possuindo direitos e deveres perante a ordem internacional, é considerada por alguns como pessoa internacional. Além disto, firma acordos com outros organismos internacionais, o que corrobora sua personalidade internacional.
A Convenção Européia de Direitos Humanos, em seu art. 25 consagra às ONGs o direito de queixa individual à Comissão, similarmente a forma anteriormente explicitada para os indivíduos particulares. De tal regra é de se sustenta as suas subjetividades autônomas.
Entretanto, o mais importante documento a ser ressaltado é a Convenção Européia sobre o reconhecimento da personalidade jurídica das Organizações não governamentais, de 24 de abril de 1986. Comentando esta convenção, André Ferreira e Fausto de Quadros assim se referem:
“Em bom rigor, esta Convenção não pretende atribuir uma nova personalidade jurídica de Direito Internacional às ONG mas apenas conceder, àquelas que tenham obtido de forma regular a personalidade jurídica de Direito Interno à luz do Direito nacional de um dos Estados signatários, reconhecimento de pleno direito no território de outras Partes Contratantes (arts. 2º e 3º)”.
Desta breve análise podemos concluir que, via de regra, as Organizações não governamentais não possuem características de sujeitos internacionais. Apenas algumas delas, dependendo do caso e da forma de como o Direito Internacional as contempla normativamente, possuem alguns dos requisitos de um sujeito de direito.
Com o aumento da influência das mesmas no cenário internacional, talvez ocorra um maior desenvolvimento nesta sentido, entretanto a regra atual é de que não são sujeitos de Direito Internacional.
O indivíduo como sujeito de Direito Comunitário
Até o presente momento tratou-se apenas da subjetividade internacional do indivíduo internacionalmente. Entretanto, merece mencionar que ele tem tido sua personalidade jurídica reconhecida no Direito Comunitário. Aliás, é neste âmbito que sua personalidade tem atingido maior amplitude.
Das quatro liberdades básicas (circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais) decorrem inúmeros direitos, não somente para os indivíduos particulares, como também para as pessoas coletivas.
O Tratado da União Européia, que criou a “nacionalidade européia” garantiu inúmeros direitos aos indivíduos, tais como: o de circular e permanecer no território de qualquer Estado-membro; a capacidade eleitoral de votar para escolha dos membros do Parlamento Europeu; o direito de petição diretamente ao Parlamento; e o direito de queixa ao Provedor de Justiça da União, dentre outros.
Quanto às empresas privadas, vale mencionar que o Tratado de Roma, sem seus artigos 85 e 86 condenam as práticas comerciais restritivas e o abuso de posição dominante. Destas regras decorrem direitos e obrigações diretamente às sociedades transacionais. Ademais, como possuem ela capacidades de pleitear diretamente estes direitos, é evidente que sua subjetividade comunitária resta consagrada.
Fazendo uma comparação com os direitos decorrentes da integração européia acima citados, com a capacidade jurídica de alguns cidadãos em países de menores índices de desenvolvimento econômico e político, pode-se dizer que o Direito Comunitário consagra uma capacidade jurídica maior ao indivíduo, em boa parte dos casos.
Considerações finais
Através do estudo realizado, enfocando as normas de direito internacional sob o prisma dos requisitos de um sujeito de direitos se percebeu que até o presente momento não existem normas no ordenamento jurídico internacional que contemplem o indivíduo, seja particularmente considerado, seja através de suas formas de manifestação coletiva, como um completo, pleno, sujeito de direito internacional.
Todavia, isto não significa que ele não seja. O fato do indivíduo possuir apenas alguns dos pressupostos enumerados nada mais enfatiza do que a existência de uma limitada subjetividade.
Embora uma subjetividade inquestionável não prescinda de todos os elementos, a falta de alguns destes traz a tona à ideia de um sujeito fragmentário, incompleto de Direito Internacional.
Nesse entendimento, parece estarem com razão Seitenfus e Ventura que, citando a lição de Frank Attar se referem à existência de outros sujeitos de Direito Internacional que não os Estados ou as Organizações Internacionais, ou seja, os sujeitos fragmentários.
Merece menção aqui que, em parecer sobre a reparação dos danos sofridos a serviço das Nações Unidas, o TIJ, em 1949 afirmou que os sujeitos de direito num sistema jurídico não são necessariamente idênticos quanto à natureza e a extensão de seus direitos.
Com isto se evidencia a possibilidade de existirem sujeitos menores de Direito Internacional.
Sobre a evolução de subjetividade do indivíduo Dallari enfatiza a importância a crescente possibilidade de atuação direta a órgãos internacionais na defesa dos direitos fundamentais do ser humano.
Refere-se que nós estamos vivendo um momento revolucionário, com esta idéia de um Direito vinculado aos objetivos da justiça, à dignidade da pessoa humana, a correção das injustiças sociais e a busca da paz, que é o ideal da humanidade.Trata-se de uma possibilidade de refutar qualquer idéia de que a lei deve ser obedecida por ser lei, dando um embasamento ético ao mundo jurídico.
Alude que inclusive a idéia de que o Direito Internacional é coisa diferente do Direito interno basicamente está superada. A conjugação de pactos com os textos constitucionais, a transposição de normas internacionais para dentro das Constituições cria uma área em que não se diferencia o que é nacional e o que é internacional.
Embora possa parecer que seu discurso é um pouco otimista, não se pode perder de vista a validade de tais afirmações. Talvez o fato de que a regra o homem, pessoa privada, está exilado na sociedade dos Estados esteja caindo por terra realmente represente a possibilidade de se fixarem princípios que aceitem o indivíduo como finalidade do Estado e não este como o fim do indivíduo.
De sua lição se depreende um importante elemento: uma subjetividade internacional do indivíduo efetiva e mais concreta somente pode decorrer de um processo evolutivo lento e gradual.
A consolidação dos Estados modernos que desencadeou o que anteriormente se denominou de “aristocracia dos Estados” e o isolamento do indivíduo no direito internacional decorreu de um processo gradual de afirmação da soberania dos mesmos.
Com o fortalecimento da soberania e sua visão de forma absoluta os Estados passaram a evitar qualquer organismo internacional acima deles, que pudesse limitar seu poder, bem como procurou analisar o indivíduo como simples objeto de suas normas.
Assim, através de um lento processo o Direito Internacional passou a se preocupar apenas com as relações interestatais. Perdeu de vista seus anseios basilares do direito natural, transcendente e que também limitava a vontade do soberano, no sentido de que este deveria respeitar as normas divinas, que provinham de Júpter, nos termos do famoso diálogo grego entre Creonte e Antígona.
Ou seja, preocupação com a unidade o gênero humano e a fraternidade universal tornou-se secundária num direito que passou a visar apenas o relacionamento entre Estados soberanos que relutavam em ceder parte deste poder.
Hodiernamente este processo tem dito evolução oposta. A proliferação de organismos internacionais e o aumento da competência dos mesmos desencadeou uma certa limitação na soberania dos Estados. Sua “concentração de poder” passou a ser mitigada, devendo ele respeitar normas internacionais, algumas inclusive sobre as quais não manifestou sua anuência, como as relativas ao jus cogens.
Além disto, a concomitante valorização dos direitos humanos proporcionou uma revitalização do indivíduo no cenário internacional.
Todo este processo proporcionou uma evolução na possibilidade do indivíduo poder ser considerado um sujeito de direito internacional. Não há dúvida de que o indivíduo sempre será um sujeito secundário, sem todos os pressupostos de um sujeito de direito internacional.
Entretanto, os fragmentos de sua subjetividade estarão cada vez mais presentes. Aumentarão as formas de responsabilizar os indivíduos perante a comunidade internacional, bem como as formas de tutela dos direitos fundamentais através de órgãos internacionais.
Estes fatos certamente representam uma grande evolução do Direito Internacional. Embora importantes passos tenham sido dados recentemente, é certo que um árduo caminho ainda está por ser perseguido.
A evolução ora estudada talvez represente uma retomada dos valores que deram início ao Direito Internacional, às suas bases históricas, de unidade do gênero humano e fraternidade universal; ou mesmo ao fundamento jusnaturalista presente na sistematização do Direito Internacional iniciada na formação dos Estados modernos.
Se vencidos os obstáculos antes referidos o Direito Internacional ficará muito próximo a um verdadeiro Direito das Gentes (ou, na terminologia alemã, Direito dos Povos) e ter-se-á afastado irreversivelmente de um simples Direito entre Estados.
Onde já vai o tempo em que os manuais se podiam esquecer do indivíduo como sujeito de Direito Internacional!
fonte: Âmbito Jurídico
Nenhum comentário:
Postar um comentário