A aposta de Kissinger
no Brasil emergente
Post Western World
por Oliver Stuenkel
6 out, 2014
Independentemente de quem vai ganhar a eleição presidencial do Brasil no final de outubro, um grande desafio na política externa aguarda o próximo governo.
O Brasil deve tentar melhorar as relações com os Estados Unidos, que atingiram seu ponto mais baixo quando Dilma Rousseff cancelou uma visita de Estado a Washington, DC depois das revelações de espionagem no final de 2013.
Historicamente, as relações Brasil-EUA têm sido marcadas por expectativas irreais, negligência ou uma falta de compreensão e confiança mútua, como mostra o livro Kissinger e o Brasil, escrito por Matias Spektor.
O livro descreve um esforço notável de Kissinger para formalizar uma aliança Brasil-Estados Unidos, que culminou com sua visita para o Brasil em 1976 e com a assinatura de um acordo que institucionaliza consultas regulares de alto nível.
Kissinger estava convencido de que o Brasil era um ator chave nas relações internacionais. Junto com o Irã, Indonésia e África do Sul, o Brasil era, na sua visão, uma das potências para as quais os Estados Unidos deveriam delegar alguma autoridade para o estabelecimento de projetos de hegemonia regional, tornando-se âncoras na luta contra o comunismo.
A iniciativa de Kissinger coincidiu com a tentativa histórica do chanceler brasileiro Azeredo da Silveira de fortalecer a projeção global do Brasil, um projeto descrito como "pragmatismo ecumênico e responsável", que incluía um engajamento com novos parceiros, independentemente de suas orientações ideológicas.
A relação entre os dois chanceleres - ambos indivíduos que influenciaram as políticas externas dos seus respectivos países - é o tema central da excelente análise de Spektor.
O plano de Kissinger acabou fracassando. Logo após o estabelecimento de reuniões regulares de alto nível, tudo mudou quando o novo presidente americano Jimmy Carter começou a criticar a estratégia de Kissinger e os abusos de direitos humanos da ditadura militar brasileira.
No entanto, mesmo antes disso, o projeto de aproximação foi marcado pela decepção e incompreensão frequentes. Kissinger supôs erradamente que o Brasil iria se transformar em um aliado dos EUA contra a OPEP e que o governo brasileiro iria abandonar suas ambições nucleares.
Azeredo, por outro lado, não obteve a desejada redução de tarifas dos Estados Unidos sobre as exportações brasileiras. De acordo com Spektor, o Brasil foi, pelo menos em parte, culpado, uma vez que nunca se preocupou em aprender como efetivamente influenciar a dinâmica política na capital estadunidense. Desde aquela época, parece que pouco mudou.
Em sua coluna na Folha de São Paulo, em 2012, Spektor lamentou que o Brasil ainda não tinha, ao contrário de outras potências emergentes, uma estratégia clara de como defender seus interesses em Washington, DC.
Equipados com a nova evidência histórica, o livro de Spektor desafia, assim, a narrativa brasileira dominante das relações do país com os Estados Unidos.
Ao contrário do consenso estabelecido pelo historiador Luiz Alberto de Moniz Bandeira da "teoria da rivalidade emergente", no qual os Estados Unidos têm consistentemente procurado limitar a ascensão econômica e projeção de poder regional do Brasil, Kissinger e o Brasil propõe uma interpretação mais sutil e convincente.
Ao invés de criar obstáculos para o Brasil, os Estados Unidos às vezes procuraram ativamente promover a ascensão do Brasil e tentaram incentivá-lo a desenvolver uma postura mais assertiva nas relações internacionais.
Embora analise uma época diferente, algumas das lições mais amplas de Kissinger e o Brasil são comparáveis àquelas de 18 Dias, o segundo livro de Spektor, sobre as relações Brasil-EUA no início do século 21.
Ambos os livros sugerem que, ao contrário do que muitos analistas da política externa brasileira acreditam, conter ativamente a ascensão do Brasil nunca foi uma prioridade dos Estados Unidos. Em vez disso, os Estados Unidos, sob Kissinger, imaginavam um papel de liderança regional para o Brasil que os militares brasileiros estavam relutantes a assumir (por exemplo, quando surgiram algumas tensões entre a Argentina e o Chile).
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro sempre tinha um forte interesse que o Brasil fosse tratado como um igual pelos Estados Unidos.
Similar a 18 Dias, Kissinger e o Brasil levanta, de maneira implícita, a importante questão se indivíduos têm a capacidade de impactar a história de uma forma duradoura, ou se fatores estruturais determinam a história.
Apesar de reconhecer a importância da estrutura, a ênfase de Spektor em nas personalidades e nos laços pessoais entre Kissinger e Azeredo da Silveira, bem como suas visões e crenças, sugerem que os indivíduos importam, mesmo que o interesse pessoal de Kissinger e ativismo vis-à-vis ao Brasil teve um impacto reduzido em longo prazo.
Spektor está relutante em tirar muitos paralelos entre as relações Brasil-Estados Unidos na década de 1970 e as de hoje. Mesmo assim, muitos leitores vão reconhecer semelhanças inconfundíveis entre as visões de mundo de Azeredo da Silveira e Celso Amorim, que serviu como ministro das Relações Exteriores do presidente Lula, de 2003 até 2010.
Sob Azeredo e Amorim, o Brasil aumentou a sua presença diplomática de maneira notável. Os chanceleres de Lula e de Geisel disfrutaram de uma autonomia considerável e de apoio político para se envolver em questões nem sempre livres de controvérsia.
Por exemplo, o reconhecimento da independência de Angola pelo Brasil foi uma iniciativa de alto risco. Kissinger e o Brasil contém uma descrição muito interessante do episódio, que inclui detalhes que muitas vezes faltam em livros que analisam a história dos laços entre o Brasil e a África.
Similar a 18 Dias, Kissinger e o Brasil que fornece uma visão fascinante sobre os meandros do cotidiano da política externa.
Assim, além de sua grande contribuição para o debate histórico, Kissinger e o Brasil é um leitura obrigatória para os interessados em política externa brasileira.
fonte: Post Western World
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