Análise Estatística sobre refugiados no Brasil entre 2010 e 2014
O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos e é parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e do seu Protocolo de 1967.
O país promulgou, em julho de 1997, a sua lei de refúgio (nº 9.474/97), contemplando os principais instrumentos regionais e internacionais sobre o tema. A lei adota a definição ampliada de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera a “violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de reconhecimento da condição de refugiado.
Em maio de 2002, o país ratificou a Convenção das Nações Unidas de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas e, em outubro de 2007, iniciou seu processo de adesão à Convenção da ONU de 1961 para Redução dos Casos de Apatridia.
A lei brasileira de refúgio criou o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), um órgão interministerial presidido pelo Ministério da Justiça e que lida principalmente com a formulação de políticas para refugiados no país, com a elegibilidade, mas também com a integração local de refugiados.
A lei garante documentos básicos aos refugiados, incluindo documento de identificação e de trabalho, além da liberdade de movimento no território nacional e de outros direitos civis.
De acordo com o CONARE, o Brasil possui atualmente (em outubro de 2014) 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas (25% deles são mulheres) – incluindo refugiados reassinados.
Os principais grupos são compostos por nacionais da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo (RDC).
Este perfil vem mudando gradualmente desde 2012, quando o país adotou uma cláusula de cessação de refúgio aplicável aos angolanos e liberianos, com base em orientação global expedida pelo ACNUR em junho do mesmo ano.
Conforme a portaria do Ministério da Justiça nº 2.650 (de outubro de 2012), estes estrangeiros estão recebendo a residência permanente no país, em substituição ao status de refugiado.
Com base em dados do CONARE referentes ao período entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, o ACNUR elaborou uma análise estatística que demonstra o fortalecimento continuado da proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil [1].
O número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013 (de 566 para 5.882 pedidos). Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações. A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e América do Sul.
Em 2010, 150 refugiados foram reconhecidos pelo CONARE, enquanto em 2014 (até outubro), houve 2.032 deferimentos pelo Comitê, o que representa um crescimento aproximado de 1.240%.
Desta forma, apesar de haver se mantido estável de 2010 a 2012 (em torno de 4.000), a população de refugiados no Brasil vem crescendo de forma acelerada entre 2013 e 2014 (até outubro), quando atingiu 5.256 e 7.289 indivíduos, respectivamente.
Este perfil sofreu alterações ao longo dos anos com o aumento das solicitações feitas por sírios e a diminuição de solicitações realizadas por colombianos. O caso dos sírios pode ser explicado pela postura solidária do Brasil com as vítimas do conflito naquele país, inclusive por meio da aprovação da Resolução Normativa nº17 do CONARE.
Tal resolução facilita a entrada no Brasil de quem queira solicitar refúgio em decorrência do conflito sírio, por meio da emissão de um visto de turista válido por 90 dias.
A redução de solicitações de refúgio feitas por colombianos deve-se em parte aos avanços da negociação de paz entre o governo da Colômbia e as FARC, mas principalmente pela adesão da Colômbia ao Acordo de Residência do Mercosul.
Este acordo facilita aos colombianos a obtenção de residência temporária no Brasil por um período de 02 anos, que posteriormente pode ser convertida em residência permanente. A partir do ano de 2013, a maioria dos colombianos que chegou ao Brasil solicitou residência com base no Acordo do MERCOSUL.
Consequentemente, em julho de 2014 o número de refugiados sírios ultrapassou o de colombianos, tornando-se a principal nacionalidade dos refugiados que vivem no Brasil.
Outros países relevantes entre os solicitantes de refúgio são Senegal, Gana e Nigéria.
Isto revela a intensificação dos fluxos mistos, já que a maioria dos solicitantes destes países é, na realidade, migrantes que deixaram seus países por causas econômicas – embora haja uma minoria de refugiados.
Nos últimos anos, todas as importantes crises humanitárias impactaram diretamente os mecanismos de refúgio no Brasil, com expressivos números de solicitantes da Síria, Líbano [2] e RDC chegando ao país.
Em termos de gênero e idade, os dados do CONARE demonstram que o percentual de mulheres diminuiu de 20% (em 2010 e 2011) para 10% (em 2013), se mantendo estável em 2014. A metade dos solicitantes de refúgio é formada por adultos entre 18 e 30 anos. Apenas 4% dos pedidos são apresentados por menores de 18 anos, dos quais 38% correspondem a crianças entre 0 e 5 anos.
Para implementar seu mandato, que é o de contribuir para que os Estados cumpram seus compromissos internacionais de prestar proteção internacional e promover soluções duradouras para refugiados e outras populações de interesse, o ACNUR conta no Brasil com um escritório-sede em Brasília e duas unidades em São Paulo, que cuidam, respectivamente, da proteção e integração de refugiados e da arrecadação de fundos privados.
A agência trabalha em estreita parceria com o governo (nos âmbitos federal, estadual e municipal), o setor privado e organizações da sociedade civil que operam em regiões estratégicas do país.
Os projetos do ACNUR que prestam assistência humanitária aos solicitantes de refúgio e refugiados são implementados por ONGs parceiras localizadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas e Distrito Federal.
Em 2014, a maioria das solicitações de refúgio no Brasil foi apresentada em São Paulo (26% do total de solicitações no período), Acre (22%), Rio Grande do Sul (17%) e Paraná (12%). Regionalmente, estão concentradas nas regiões Sul (35%), Sudeste (31%) e Norte (25%).
Todas as solicitações de refúgio apresentadas no Brasil são analisadas e decididas pelo CONARE, que é composto por representantes dos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da Educação, do Trabalho e da Saúde, além de representantes da Polícia Federal e de organizações da sociedade civil que trabalham com o tema dos refugiados.
O ACNUR é parte do comitê, apenas com direito a voz. Desde 2012, a Defensoria Pública da União tem participado das reuniões do CONARE, com direito a voz – conforme Memorando de Entendimento assinado com o comitê.
A análise dos dados do CONARE também revela uma melhora no desempenho e
produtividade do comitê.
O número de solicitações processadas aumentou expressivamente em um período de três anos, saindo de 323 em 2010 para 479 em 2011, 904 em 2012, 6.067 em 2013.
Naquele ano, 1.585 solicitações foram analisadas no mérito, e o restante foi encaminhado para o Conselho Nacional de Imigração (CNIg).
Até setembro de 2014, foram analisados 2.206 casos no mérito, número consideravelmente superior aos anos anteriores.
A taxa de elegibilidade registrada até outubro de 2014 é a mais alta desde 2010, quando foi de 38,4%. Após um decréscimo em 2011 (21,5%), a taxa voltou a subir, chegando a 40,8% em 2013.
Em 2014, a taxa de elegibilidade está em 88,5%, o que pode ser explicado em parte pelo alto índice de deferimentos das solicitações de refugiados originários da Síria. Sem contabilizar os refugiados sírios, a taxa de elegibilidade de 2014 é de 75,2%.
Em 2014, o CONARE reconheceu solicitações de refúgio de 18 países diferentes, como Síria, Líbano, RDC e Mali, demonstrando sensibilidade às principais crises humanitárias da atualidade. Desde 2013, praticamente 100% das solicitações apresentadas por nacionais da Síria foram reconhecidas.
Entre os refugiados reconhecidos pelo Brasil, os sírios representam o maior grupo, com 20% do total. Em seguida estão os refugiados da Colômbia, de Angola e da República Democrática do Congo. Outras populações relevantes são os refugiados do Líbano, Libéria, Palestina, Iraque, Bolívia e Serra Leoa.
Até setembro deste ano, existem 8.687 casos ainda em tramitação no CONARE, sendo 2.164 do Senegal, 1.150 da Nigéria, 1.090 de Gana e 571 da República Democrática do Congo. Dentre o total de solicitações pendentes, 41 foram submetidas em 2011, 176 em 2012, 1.340 em 2013 e 7.130 em 2014.
Comprometido com o princípio da solidariedade internacional, o Brasil tem exercido papel fundamental no desenvolvimento e implantação do Programa de Reassentamento Solidário na América Latina, como parte do Plano de Ação do México.
Desde 2002, o Brasil reassentou mais de 612 refugiados (colombianos, em sua maioria), dentre os quais 46% são mulheres. Também há grupos de refugiados vindos de outros continentes. Em 2014, foram aceitos no Programa de Reassentamento refugiados do Sri Lanka e da Síria.
Nos próximos anos, o Brasil planeja expandir seu programa de reassentamento para um maior número de casos extracontinentais, de modo a oferecer acolhida para refugiados deslocados de outras regiões.
Além de oferecer um ambiente de proteção favorável aos refugiados, o Brasil tem apoiado consistentemente as iniciativas do ACNUR em promover a proteção internacional em diferentes fóruns.
Em dezembro de 2010, celebrando o 60º aniversário do ACNUR, o país sediou um encontro governamental onde 18 países da América Latina se comprometeram a se engajar mais na proteção das vítimas de deslocamentos forçados e de apátridas na região. O compromisso foi estabelecido na “Declaração de Brasília para Proteção de Refugiados e Apátridas nas Américas”.
Ao final de 2012, o Brasil liderou dentro do MERCOSUL, em âmbito ministerial, a adoção da “Declaração de Princípios Internacionais de Proteção dos Refugiados”.
O documento reafirma o princípio da não devolução (non-refoulement), a importância da reunificação familiar e a priorização das abordagens de idade, gênero e diversidade.
A Declaração também enfatiza a importância de se evitar políticas migratórias restritivas e a necessidade de estabelecer mecanismos de cooperação adicionais e novas formas complementares de proteção humanitária.
Nos dias 2 e 3 de dezembro de 2014, em reconhecimento à sua importância regional, o Brasil sediará o evento comemorativo dos 30 anos da Declaração de Cartagena sobre a Proteção Internacional de Refugiados de 1984.
A reunião concluirá um longo processo de consultas aos governos e à sociedade civil da América Latina e do Caribe, com o apoio do ACNUR, que incluiu reuniões em Buenos Aires, Quito, Manágua e Ilhas Cayman, além de negociações em Genebra com o GRULAC (Grupo da América Latina e do Caribe).
O evento culminará com adoção da Declaração e Plano de Ação do Brasil, que renovará os compromissos da região frente aos refugiados e apátridas durante a próxima década.
Em termos de apoio financeiro às contribuições para as operações humanitárias do ACNUR ao redor do mundo, o Brasil se consolidou como o principal doador do ACNUR entre os países emergentes, com US$ 3,5 milhões doados em 2010, US$ 3,7 milhões em 2011, US$ 3,6 milhões em 2012 e US$ 1 milhão em 2013.
[1] Estes dados não incluem informações relacionadas aos nacionais do Haiti que chegaram ao Brasil desde o terremoto de 2010. Apesar de solicitarem o reconhecimento da condição de refugiado ao entrarem no território nacional, seus pedidos foram encaminhados ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que emitiu vistos de residência permanente por razões humanitárias. De acordo com dados da Polícia Federal, mais de 39.000 haitianos entraram no Brasil desde 2010 até setembro de 2014.
[2] Embora o Líbano não esteja em situação de conflito interno, o elevado número de refugiados sírios no país, que já ultrapassa 1.173.617, tem tido um impacto expressivo na sociedade libanesa.
fonte: ACNUR
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