Admirável mundo novo ?
A nova ordem política e econômica estabelecida após a 1ª guerra mundial, conflito que mudaria o século XX
Por André Amano
A Primeira Guerra Mundial foi um conflito de grandes proporções. Envolveu as principais potências capitalistas europeias e teve diversas consequências para o desenrolar da história do século XX.
Para o militar e teórico da guerra prussiano Carl Clausewitz (1780-1831), a guerra é um ato político, com uso irrestrito da violência para impor a vontade de um Estado sobre seu adversário. Dessa forma, a guerra seria uma extensão da política, portanto, apenas o meio para se chegar a um fim.
Para Luciano Cânfora, filólogo e historiador italiano, a guerra seria uma extensão da política apenas para a classe dominante, enquanto para os trabalhadores haveria uma suspensão da política, ou seja, dos direitos políticos. De qualquer forma, independente da interpretação, quando abordamos a 1ª Guerra uma coisa podemos afirmar: sem dúvida, depois dela o mundo não foi mais o mesmo.
A Segunda Revolução Industrial, ocorrida no fim do século XIX, acelerou o desenvolvimento econômico dos países ricos da Europa. Como consequência, acirrou a disputa pela hegemonia dos mercados compradores de produtos industrializados, fornecedores de matérias-primas e importadores de capital.
O crescimento econômico e industrial da Alemanha nas últimas décadas do século XIX fez com que antigos rivais, França e Inglaterra, se juntassem para manter suas posições de destaque no concerto europeu.
De acordo com o historiador britânico Eric Hobsbawm, o período de 31 anos que vai do início da 1ª Guerra (1914) até o fim da 2ª Guerra (1945) marca o arranjo das forças do cenário mundial ao longo do século XX. Esses anos são primordiais para a consolidação das formações econômicas e sociais e das ideologias de todo o século.
Entre os desdobramentos mais importantes da 1ª Guerra está a Revolução Russa e, por consequência, o socialismo como contraposição ao capitalismo; a ascensão da ultradireita, nazistas e fascistas; e a supremacia dos EUA.
A Revolução de Outubro de 1917 é filha da 1ª Grande Guerra. A crise instalada nos países diretamente participantes do conflito é um fator a ser considerado nesse processo. O preço da guerra é pago sempre pela população mais pobre.
Grandes contingentes de pessoas, em geral das mais baixas estratificações, são lançados à morte. Além disso, a mobilização das forças produtivas é quase inteiramente voltada para o conflito, ou seja, para o complexo industrial-militar. Isso leva a população que não vai ao front a uma situação de vulnerabilidade, principalmente por causa da escassez de produtos básicos.
A ideologia do socialismo e os partidos de massa da classe trabalhadora vinham em um ascenso desde fins do século XIX. A 2ª Revolução Industrial havia piorado a situação dos operários, à mercê de condições desumanas de trabalho e salários. Foi a partir dessa época que surgiram os sindicatos.
Vários militantes e teóricos se destacaram na formulação de ideias que almejavam uma nova sociedade. O principal deles foi Karl Marx, influenciador direto da Revolução Russa de 1917 e cuja teoria inspira movimentos sociais até hoje.
Embora a Rússia não fosse um país industrializado e a maioria da população, camponesa, seus líderes mais importantes beberam nas fontes da teoria operária. A situação da população já era precária em razão do czarismo e piorou sensivelmente quando o país entrou na guerra.
Assim, o movimento socialista, que havia mostrado suas forças em 1905, ganha espaço e derruba o czar em fevereiro de 1917. O povo saiu às ruas para pedir pão. Os operários exigiam menores jornadas de trabalho e melhores salários, além da saída da Rússia da guerra. Em outubro do mesmo ano, há uma revolução dentro da revolução, e os bolcheviques tomam o poder, instaurando, finalmente o socialismo.
Após o fim da 1ª Guerra, a Alemanha estava destruída: quase 5 milhões de mortos. O Tratado de Versalhes fez com que perdessem todas as suas colônias, seu território foi diminuído e ainda teve de pagar uma imensa indenização de guerra.
A crise econômica espalhou-se por toda a Europa. A queda da produção industrial e, por consequência, das exportações atingiram todas as economias. O desemprego chegou a níveis elevadíssimos e as condições de vida dos trabalhadores decaíram acintosamente. A Alemanha conheceu a hiperinflação. Versalhes foi humilhante, pois, além de oneroso, feriu a autonomia do país com várias restrições.
No cenário internacional, o movimento operário comunista crescia desde o fim do século XIX, e após a Revolução Russa, a primeira experiência socialista vitoriosa, o movimento ascendeu e se espalhou por toda a Europa.
Se somarmos todos esses elementos – a crise econômica, o anticomunismo e o nacionalismo, resultado também das humilhações sofridas pela Itália e Alemanha –, teremos os principais ingredientes que abriram caminho para os movimentos nazifascistas na Europa.
Embora a crise econômica que afetou principalmente as camadas mais pobres da população tenha engrossado as fileiras dos movimentos comunistas, grande parte dos trabalhadores aderiu à ultradireita.
Mas, se por um lado, o nazifascismo combatia ferrenhamente o comunismo, outro traço marcante de todos esses regimes era o seu caráter conservador, de extremo nacionalismo e contrário ao estado liberal-democrático que reinava em boa parte da Europa Ocidental. E é justamente essa dupla recusa que proporcionou a aliança entre as potências capitalistas e a União Soviética na Segunda Guerra.
Para se ter ideia, só na década de 1920 e 1930 temos os regimes de Benito Mussolini, na Itália (1922); António Oliveira Salazar, em Portugal (1928); Adolf Hitler, na Alemanha (1933); Francisco Franco, na Espanha (1936); Horthy, na Hungria (1919); Pilsudski, na Polônia (1926). No Brasil, os fascistas nunca chegaram ao poder, mas criaram o partido Ação Integralista Brasileira (AIB).
A Europa ficou devastada após a guerra. Porém, os EUA não tiveram o seu território afetado. O país vinha tornando se uma das grandes potências, mas ainda esbarrava no poderio político e econômico dos países europeus. O conflito terminou de consolidar sua supremacia. Durante a guerra, foram os únicos a manter, além da indústria bélica, outros setores industriais. Por isso, abasteceram grande parte dos países envolvidos no conflito.
Ademais, os EUA foram os que menos sofreram com a crise econômica do pós-guerra. Pelo contrário, a sua economia foi beneficiada nesse momento. Os estadunidenses passaram a ser não apenas os maiores produtores e exportadores de mercadorias industrializadas, mas os maiores credores do mundo – além das dívidas feitas durante o conflito, eles financiaram a reconstrução da Europa.
Os bancos dos EUA haviam emprestado dinheiro principalmente para a França e a Inglaterra, que ao receberem a indenização paga pela Alemanha a repassaram quase que integralmente aos banqueiros estadunidenses.
Assim, após a Primeira Guerra, temos uma nova ordem mundial com novos atores em disputa. Assiste-se a uma reconfiguração geográfica e, também, a uma reconfiguração política e econômica.
Mas as disputas imperialistas que levaram ao conflito não se encerraram em 1918.
Somando-se isso à humilhação imputada aos derrotados, sobretudo à Alemanha, vemos eclodir 21 anos depois a 2ª Guerra, que encerrou o período que Hobsbawm chamou de “a era da guerra total”.
A crença absoluta na razão e no progresso ilimitado, que fomentou a Primeira Guerra Mundial, mas também foi abalada por ela, só seria colocada em xeque definitivamente no fim desse período.
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