Compreender
o que significa a responsabilidade do Estado, bem como identificar em que situações este mesmo Estado
deve assumir responsabilidade perante um particular que utiliza bens, serviços
e políticas públicas, garante aos particulares a defesa de seus direitos e,
principalmente, o ressarcimento de eventuais prejuízos que lhes sejam
ocasionados.
Segundo
Maria Sylvia Zanella di Pietro,
“quando se
fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções
pelas quais se repartee o poder estatal:
a Administrativa, a Jurisdicional e a Legislativa.
Fala-se, no
entanto, com mais frequência, de responsabilidade resultante de comportamentos
da Administração Pública, já que, com relação aos Poderes Legislativo e
Judiciário, esta responsabilidade incide em casos excepcionais."
Entende-se
responsabilidade dos atos da Administração Pública por Responsabilidade Civil
do Estado.
De acordo
com Francisco Bueno Neto
“a
responsabilidade civil é a que se traduz na obrigação de reparar danos ao
patrimoniais e se exaure com a indenização. Esta responsabilidade é sempre
civil e de ordem pecuniária. “
Como
obrigação meramente patrimonial, a responsabilidade civil independe da criminal
e da administrativa, com as quais
pode coexistir sem, no entanto, se confundir.
A
responsabilidade civil do Estado é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a
obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos no
desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. Difere, portanto,
da responsabilidade contractual ou legal.
O dano a
que o Estado responde é causado por meio de seus agentes, sendo que agente não
é exclusivamente um servidor público, mas sim toda pessoa que estiver a serviço
do ente estatal, independente do pagamento de contraprestação por este.
Tipos de responsabilização
A
responsabilização estatal pode ser subdividida em Contratual e Extracontratual.
A
responsabilidade Contratual trata
das relações negociais de direito privado, regida por princípios
administrativos e fundada nos casos de inadimplemento de obrigação.
Já a
responsabilidade Extracontratual surge
de qualquer atividade exercida pelo Estado, independente da pré-existência de
um contrato.
A
responsabilidade extracontratual pode decorrer de atos ou comportamentos,
lícitos ou ilícitos, que causem danos ou ônus a um particular, maior do que os
suportados pelo resto dos administrados.
Responsabilidade Aquiliana
A
responsabilidade civil extracontratual é também denominada Responsabilidade Civil Aquiliana,
termo proveniente da “Lex Aquilia de Damno” do século III a.C, que fixou os
parâmetros do dever de indenizar.
Os
elementos estruturais para se definir a responsabilidade aquiliana são:
A – Ação ou
Omissão
B – Culpa
ou Dolo do agente
C – Relação
de Causalidade
D – Dano
A Ação ou
Omissão resultante da conduta humana pode gerar prejuízos a outrem.
A conduta
positiva representa o agir, o fazer de um indivíduo (dolo); já a conduta
negativa, comumente chamada de Omissão, advém de um ato voluntário em que o
agente simplesmente deixa de agir, ou por negligência, por imprudência ou imperícia (culpa).
A omissão
só constitui uma obrigação de reparar quando a ação era imprescindível para o
impedir o dano; o agente tinha o dever jurídico de praticar determinado ato ou
o agente realizou o ato de forma negligente, imprudente
ou com imperícia trazendo transtornos ao particular.
Para haver
dano deve haver correspondência entre a causa e o evento danoso. É o que se
chama de “Nexo de Causalidade”.
A
responsabilidade civil do Estado para existir depende do nexo de causalidade
entre a conduta do agente e o dano causado, além disso é indispensável a prova
dessa relação de causalidade.
Por fim,
sem dano, não existe responsabilidade.
Responsabilidade civil do Estado na legislação
brasileira
A CF1824,
em seu artigo 178, declara que:
“os
empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões
praticados no exercício de suas funções e, por não fazerem efetivamente
responsáveis aos seus subalternos.”
A CF1891
repete o mesmo texto, atribuindo responsabilidade exclusiva ao agente público.
A
responsabilidade civil do Estado tomou maior importância a partir do Código
Civil de 1916, em seu artigo 15, que ditava:
“aquele que
por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar o direito, ou
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. “
Esta
codificação adotou claramente a teoria civilista da responsabilidade subjetiva
do agente. O Brasil nunca adotou a teoria da irresponsabilidade estatal.
A CF1934,
em seu artigo 171, assumiu o princípio da responsabilidade solidária entre o
Estado e o agente público, decorrente de casos de negligência, omissão ou abuso
de poder no exercício de seus cargos.
Apenas em
1946, a Carta Magna mudou esse posicionamento, vindo a acolher a teoria da
responsabilidade objetiva do Estado, com a seguinte redação:
“as pessoas
jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos
que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.” (art. 194)
Modernamente,
a CF1946 ainda trouxe a possibilidade de ação regressiva contra os agentes
causadores de dano, em caso de identificação de culpa destes.
A CF1988
trata da materia da responsabilidade civil do Estado, em seu artigo 37:
“a
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios, obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também
seguinte:
§ 6 – As
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa. “
Neste
dispositivo constitucional, são elencadas tanto a responsabilidade objetiva do
Estado quanto a responsabilidade subjetiva do agente.
Responsabilidade Objetiva e Subjetiva
Em relação
à responsabilidade objetiva, o Estado responde independente de prova de sua
culpa ou dolo, sendo necessária somente a comprovação do dano causado ao
particular.
O dano
suportado pela vítima deve ser originado da prestação (ou falta da prestação)
do serviço público, sendo
necessário ser estabelecido nexo causal, bem como ser causado por agente
público – podendo ser agente politico, administativo ou particular em
colaboração com a Administração Pública , independente do recebimento de
contraprestação pela Fazenda Pública.
O instituto
do direito de regresso, especificado na segunda parte da norma (art.37), é uma
faculdade do Estado de reaver os valores que eventualmente tenham sido
indenizados ao particular vitimado pelo dano.
A demanda
regressiva, para que o agente indenize o Estado pelos danos que suportou em seu
nome, só é possível quando houver
comprovação da culpa do agente na efetivação do dano, e, neste caso, caracterizando responsabilidade
subjetiva.
Sem a
comprovação da participação do agente no prejuízo causado ao particular, o
Estado deve assumir sozinho toda a responsabilidade.
Causas excludentes e atenuantes da
responsabilidade civil do Estado
Para que
seja configurada a responsabilidade do Estado, deve-se verificar a conduta do
lesado na ocorrência do dano.
Se a vítima
em nada participa nas causas do dano, o Estado assumirá toda a
responsabilidade.
No entanto,
se houver participação do lesado na causa do dano, a indenização devida pelo
Estado deverá ser reduzida conforme o grau de sua participação, em aplicação do
sistema de compensação de culpas, originário do direito privado, sendo a culpa
concorrente, uma causa atenuante da responsabilidade do Estado.
Se o
particular lesado for o único causador do dano (culpa exclusiva), está-se
diante de um caso de autolesão, o que isenta totalmente o Estado da obrigação
de reparar, sendo portanto causa excludente de responsabilidade.
Outro fator
importante para determinação de responsabilidade do Estado é a observância de
nexo de causalidade entre a conduta do agente no exercício de suas funções e o
dano ou prejuízo ocasionado à vítima.
Quando não
existe o liame subjetivo ou este é interrompido, incide causa excludente de
responsabilidade, sendo causas enumeradas pela doutrina e construídas
firmemente na jurisprudência:
força maior, culpa da vítima e culpa de terceiro.
Contudo,
esta regra apresenta exceção, no caso de omissão do Estado.
Se ocorrer
motivo de força maior, mesmo assim o Estado poderá ser responsabilizado, nos
casos em que, por exemplo, tenha se omitido em realizar um serviço
público.
Por
exemplo, os danos decorrentes de uma enchente com comprovação de que o Poder
Público tenha sido omisso na realização de obras de limpeza de bueiros, vindo a
amplificar os efeitos da enchente.
O Estado
também poderá ser responsabilizado nos casos de atos de terceiros, notadamente
nos atos de multidões, quando, por exemplo, houver omissão de sua parte em
resguardar o patrimônio particular.
Tipos de danos indenizáveis pelo Estado
Em termos
de responsabilidade civil do Estado, o entendimento dominante na jurisprudência
tipifica 3 danos indenizáveis:
A – Dano
Material ou Patrimonial
B – Dano
Moral
C – Dano
Estético
Danos Materiais
Os Danos
Materiais são aqueles prejuízos ocasionados ao patrimônio corpóreo particular.
Estes danos
materiais, por sua vez se subdividem, segundo a classificação do Código Civil
(art. 402) em: danos emergentes (danos positivos) oulucros cessantes (danos
negativos).
Os danos
emergentes representam o que efetivamente se perdeu, o prejuízo imediato, como
os danos em um veículo particular ocasionados por acidente com um veículo da
Administração Pública.
Já os
lucros cessantes dizem respeito ao que o particular, vítima do acidente, deixa
de lucrar em decorrência do dano provocado. Como no exemplo do acidente de carro, haveria lucros
cessantes caso o particular envolvido fosse um taxista transitando com seu
veículo de trabalho.
Danos Morais
Dano Moral
é “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária.
Abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu
pudor, à sua tranquilidade ou segurança, ao seu amor próprio estético, à
integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc.” (Traité de La
Responsabilité Civile, in Caio Mário da Silva Pereira, Ed. Forense, 1989).
Danos Estéticos
Os danos
estéticos podem ser compreendidos como alteraçõe físicas ocorridas em uma
pessoa em decorrência de ato ou fato imposto por outrem.
O dano
estético é aquele que pode ser notado fisicamente, uma deformação vista a olho
nu. Já o dano moral atinge o âmago íntimo do indivíduo, muitas vezes não pode
ser apresentado ou percebido sem a disposição daquele que o suporta.
Conclusões
No decorrer
da história, foram desenvolvidas várias teorias sobre a responsabilidade civil
do Estado.
Até o
século XIX prevaleceu a Teoria da Irresponsabilidade, característica dos
Estados Absolutos e que determinava que havia uma separação entre o soberano e
seus súditos, de tal forma que o Estado estaria isento de culpa ou dolo e que
não deveria reparar nada.
Com a queda
dos regimes absolutos, as teorias que se seguiram gradativamente introduziram
responsabilidade ao Estado, sendo esta inicialmente subjetiva, sobre os agentes
do Estado, dependendo de culpa ou dolo; posteriormente foram aplicadas
responsabilidades objetivas ao Estado.
No Brasil,
com a evolução da doutrina e da jurisprudência, a CF1988 confirmou a
responsabilidade civil objetiva do Estado brasileiro, em seu artigo 37, pelos
atos de seus agentes que causem danos a terceiros.
Com a
crescente demanda de prestação de serviceos públicos, o Estado passou a atribuir
a prestação de serviços a pessoas jurídicas de direito privado (prestação indireta),
por meio de concessões, permissões e autorizações.
Pore star representando
o ente estatal, estes tipos de empresas privadas, delegatárias de serviços públicos,
passaram a ser questionadas quanto à responsabilização perante particulares.
O STF
decidiu por responsabilizar estas empresas delegatárias pelos eventuais danos
causados aos usuários e, mais recentemente, a jurisprudência consignou pela
responsabilização objetiva destas mesmas perante os não usuários.
A questão
da responsabilidade civil do Estado é aplicada no direito brasileiro de forma
objetiva, no entanto há algumas causas que a excluem, exonerando o ente público
do cumprimento da obrigação para com o particular.
Tal assunto
apresenta relevância por envolver o cotidiano dos cidadãos, que sofrem prejuízos
materiais, morais e até estéticos pela atuação estatal, o que resta demonstrado
pela evolução dotrinária e jurisprudencial.
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