terça-feira, 27 de outubro de 2015

[ Discursivas CACD ] Geografia 2014: Crimeia e a Geopolítica




























Guia do Calango Lumbrera - Turma CACD 2014


Prova 2014 GEOGRAFIA 

OBS: Respostas com Maior e Menor notas apuradas entre as publicadas no guia do Calango


QUESTÃO 2

O caso da Ucrânia e de sua região da Crimeia é fato que reafirma a teoria de Sir Halford Mackinder (1904) como modelo para a análise das relações internacionais dos blocos de poder e entre os países. 

Em face dessa afirmação, analise, com base nos conceitos clássicos da geografia política, a atual geopolítica mundial, considerando as negociações diplomáticas entre os Estados Unidos da América (apoiados pela União Europeia), de um lado, e a Rússia, de outro.

Extensão máxima: 60 linhas  

Maior Nota: DIEGO DE SOUZA ARAUJO CAMPOS (18/20)

"O caso da anexação da Crimeia pela Rússia suscita a análise de elementos geopolíticos relacionados à disputa de poder entre potências. Esse caso resgata a necessidade de se recorrer a conceitos clássicos de geopolítica, principalmente aquele de Sir Halford Mackinder sobre a importância da Eurásia para o controle do mundo. Nesse contexto, convém discorrer sobre a polarização entre os Estados Unidos e a União Europeia (UE), de um lado, e a Rússia de outro no que concerne à questão da Crimeia e outras variáveis.

De acordo com o Mackinder, a potência que controlar a região da Eurásia, o que inclui a localização geográfica da Ucrânia e da Rússia, dominará o mundo. Nesse sentido, a anexação da República Autônoma da Crimeia pela Rússia ressalta a tentativa russa de influenciar a geopolítica mundial com base em dois fatores principais: a energia e o poderio bélico. 

No que se refere à energia, a Rússia implementa a diplomacia dos hidrocarbonetos como mecanismo de pressão sobre vizinhos e sobre a UE. A Rússia detém reservas gigantescas de hidrocarbonetos, sendo o maior exportador de gás mundial. Por meio de suas estatais, como a Gazprom, a Rússia tem gasodutos que ligam o país a mercados distantes, como o europeu, e que passam por países como a Ucrânia, uma vez que o gasoduto Nord Stream ainda não está em pleno funcionamento. Ademais, a Gazprom já explora petróleo nas águas do Ártico, uma das últimas fronteiras mundiais e que serve de ponto de passagem marítima para navios que ligam a Europa à Ásia.

A Rússia, herdeira da ex-União Soviética, reconhece que a influência de dissuasão de poder sobre vizinhos, como a Ucrânia, passa pela avançada indústria bélica do país, como ilustram os caças SUKOI-35, e pelo poderio das Forças Armadas russas, que têm no porto de Sebastopol, na Crimeia, área estratégica para o domínio do mar Negro, ponto de contato entre o mar Morto e a bacia do Mediterrâneo. Sendo assim, a Rússia almeja controlar não apenas o centro da chamada Eurásia, que tinha em tempos distantes a presença do Império Otomano, mas o acesso marítimo à região – o que se coaduna com as ideias do almirante Haushofer sobre o domínio dos mares e o poderio hegemônico.

Por outro lado, os Estados Unidos, apoiados pela UE, tentam conter o expansionismo russo. Nesse sentido, a UE negocia com a Ucrânia a adesão ao bloco, que já tem membros como os Estados Bálticos, ex-satélites soviéticos. Ademais, os norte-americanos e os europeus tentam trazer, cada vez mais, os ex-países comunistas para a área de influência ocidental por meio da adesão à OTAN, que negociava a adesão ucraniana. 

A ação de contenção norte- americana, no entanto, avança para o Oriente Médio, em que o conflito sírio prova a necessidade de negociação dos Estados Unidos e da Rússia. Estes negociaram o fim das armas químicas sírias e a adesão síria à OPAQ. Ambas as potências têm interesses na região, seja pelo petróleo, seja pela localização geográfica, propícia para a base naval russa ali presente e para a segurança de Israel, maior aliado norte-americano no Oriente Médio.

Outra questão pertinente ao contexto é o “pivot” dos Estados Unidos para a Ásia. O governo Obama entende que essa política estratégica de influência depende de negociações com os russos e com os chineses. Por isso, os Estados Unidos negociaram um novo Acordo de Redução de Armas Estratégicas (START) com a Rússia e hesita em aplicar sanções severas contra o país pela anexação da Crimeia. 

Tanto os Estados Unidos quanto a Rússia sabem que a dissuasão nuclear de ambos impede uma guerra bilateral em termos convencionais, mas não ações estratégicas como o veto no Conselho de Segurança da ONU quando necessário. A influência sobre a Eurásia passa pela concertação entre essas duas potências.

A situação da Crimeia reafirma as ideias de Mackinder, em cenário de disputas geopolíticas de poder entre os EUA e a Rússia. Essas disputas são heranças da Guerra Fria e obedecem à lógica da influência dissuasória para controlar regiões. A atual geopolítica mundial, nesse sentido, decorre da rivalidade entre norte-americanos e russos e da emergência de novos atores."


MENOR NOTA (8/20)

"O brasilianista Kenneth Maxwell, em recente artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, relacionou, de maneira interessante, as tensões atuais na Crimeia com a famosa guerra ocorrida nos anos 1850, dramático enfrentamento que envolveu Rússia, Império Otomano, Reino Unido, França e outras potências menores. Nesse sentido, é proveitoso lançar mão da velha teoria do heartland proposta por Sir Halford Mackinder, em 1904, como modelo analítico das relações internacionais de poder. A história, bem como a geografia e a geopolítica, ensina e contribui para o entendimento do quadro que envolve atores como Estados Unidos, União Europeia e Rússia.

Mackinder definiu o heartland como uma ampla região eurasiana, estratégica pela posição no globo e pelos recursos naturais. Para esse autor, quem dominasse o heartland disporia de enorme poder mundial. A teoria ecoava as disputas de poder entre os impérios britânico e russo nas franjas desse território (a Índia era a joia da Coroa Britânica, o Japão aparecia como possível estabilizador do expansionismo russo na região asiática, o Afeganistão sobressaía como tampão entre os impérios). 

A tensão diminuiu com a entente anglo-russa criada para conter a Alemanha (ela própria a enxergar no heartland um prolongamento de seu espaço vital), mas o conceito de Mackinder prevaleceu como útil. Ele próprio o revisou parcialmente, já que o desenvolvimento da indústria aeronáutica minorava relativamente a importância da contiguidade territorial implicada no heartland. A geógrafa Bertha Becker o retrabalhou de maneira proveitosa, chamando a atenção para a existência de “novos heartlands” (Amazônia, “Amazônia Azul”, Ártico). 

É com base nesse aggiornamento conceitual que se pode lançar mão da ideia de heartland no exame da questão da Ucrânia e da Crimeia.

Após o caos econômico dos anos 1990, a Rússia tem ressurgido como uma assertiva potência emergente. Suas impressionantes quantidades de gás e de petróleo em bacias sedimentares tanto nas proximidades da Europa quanto da China corroboram a ideia de centralidade do heartland em termos de recursos naturais. Os hidrocarbonetos alimentam a economia russa e geram excedentes exportáveis, possibilitando uma política de poder capitaneada por Putin, que tenta reviver a influência do Império soviético em países como o Cazaquistão, também cortejados pelo Ocidente. 

O gás russo flui por dutos que passam pela Ucrânia e, mais recentemente, a contornam pelo norte (projeta- se, ainda, um gasoduto no sul). Nesse sentido, três atores se tornam umbilicalmente ligados: a Rússia precisa exportar hidrocarbonetos para a União Europeia (e flerta com a possibilidade de atender a China com as reservas siberianas); a Europa precisa dos hidrocarbonetos da Rússia (e se vê ansiosa pela possibilidade de diversificar o fornecimento via Noruega e o xisto que flui dos Estados Unidos); a Ucrânia aufere ganhos econômicos como rota de passagem do gás russo e ela própria depende do fornecimento barato do produto (que vinha sendo oferecido por Putin) para equilibrar suas frágeis contas nacionais. 

Ainda que a Rússia busque rotas não ucranianas para o gás, hoje o subsolo ucraniano por onde transita o produto é central, constitui um heartland.

Em termos geopolíticos, a questão dramatiza-se por conta da variável da política doméstica da Ucrânia. Importantes segmentos da sociedade ucraniana defendiam a aproximação com a União Europeia, o que desagradava à Rússia, que acenava com o fim da relação especial do gás. Protestos internos depuseram o governo pró-russo e agitaram regiões em que a presença de russos étnicos era relevante, como a Crimeia, que, aliás, fora incorporada à Ucrânia por decisão de Kruschev, em tempos de irmandade soviética. 

Nesse sentido, a presença dos Estados Unidos, potência única em termos militares, atua de maneira complexa. Interessa ao país a estabilidade do fornecimento de gás russo para a União Europeia (ainda que haja possibilidade de competir por esse mercado com os russos), interessa-lhe a integridade territorial ucraniana (a anexação russa da Crimeia desestabiliza as proximidades do arco da OTAN expandida) e interessa-lhe conter a projeção de poder de Vladimir Putin sobre a antiga vizinhança soviética. 

As negociações têm sido tensas e algo imprevisíveis, já que ressentimentos de parte a parte se têm manifestado em choques entre grupos pró-Rússia e pró-Ucrânia na região leste. Ódios nacionalistas são sempre um preocupante combustível para as guerras.

O conceito de heartland proposto por Mackinder, desde que atualizado, serve para analisar a geopolítica atual. A região das tensões presentes remete a uma porção do território definido em 1904, há disputa envolvendo o trânsito e o fornecimento de recursos naturais e existe o engajamento de importantes potências na questão. Reler Mackinder com olhos contemporâneos é, pois, um exercício produtivo. 

Malgrado as muitas diferenças e peculiaridades, a região de contato entre a Europa e a Ásia ainda parece um tabuleiro para um novo Grande Jogo."

FONTE: Guia Calango Lumbrera - Turma IRB 2014  


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