terça-feira, 20 de setembro de 2016

Todo diplomata brasileiro tem de conhecer o Brasil




















Opinião - Colunistas Folha de São Paulo
Alexandre Vida Porto 
20 set 2016 

Muita gente, ao saber que sou diplomata, acaba me confidenciando que, em algum momento da vida, pensou em seguir carreira na diplomacia. 

A carreira diplomática exerce mística sobre as pessoas. Mas é uma escolha profissional difícil. primeiro, as vagas são poucas. Este ano, o Instituo Rio branco - órgão do Ministério das Relações Exteriores responsável pelo recrutamento e formação dos diplomatas no brasil - ofereceu 30 vagas (das quais 2 para pessoas com deficiência e 6 para afrodescendentes) em seu concurso público. 

Segundo, porque a vida no exterior - intrínseca à diplomacia - pode ser emocionalmente complicada. Não é todo mundo que aguenta passar a vida em exílio voluntário, mudando de país, língua e cultura de três em três anos, sendo o eterno estrangeiro, longe dos amigos e familiares no Brasil. 

Na ONU, onde há diplomatas de todos os países trabalhando lado a lado, percebe-se que, a despeito das diferenças culturais que os separam, existe entre eles um ponto comum: todos tentam resolver o paradoxo de ter de representar um país no qual não se encontram. 

Nesse processo, existe o risco de alienação. Há diplomatas que perdem o contato com a realidade. No exterior, se você permitir, a realidade do seu país pode tornar-se uma imagem distante. 

É tentador para os diplomatas viverem em um mundinho à parte, protegido, igual em qualquer lugar em que se more. O problema é que isso é antidiplomacia. 

No bar de um hotel em Nova York, um correspondente internacional me conta que nos dias seguintes ao terremoto do Haiti, um embaixador cujo país não vale revelar o chamou para jantar em sua residência. a despeito da calamidade que se instalara em Porto Príncipe, o jantar foi servido por garçons de luvas brancas. O mundo acabava lá fora e Maria Antonieta recebia seus convidados para brioches. 

Diplomatas bem formados não ignorariam as contingências de sua realidade histórica, porque essa é a matéria-prima de seu trabalho. 

No tempo da chamada diplomacia "ativa e altiva", do governo Lula, ampliaram-se as vagas oferecidas anualmente pelo Instituto Rio Branco. Para ocupar as novas embaixadas que se abriam, o Brasil precisava de braços. 

Entre 2006 e 2010, 500 novos diplomatas ingressaram na carreira. De cerca de 1000, tradicionalmente, o serviço exterior brasileiro passou a contar com cerca de 1600 diplomatas. Os mentores dessa ampliação não se preocuparam com detalhes práticos como as salas e os equipamentos que os novos funcionários ocupariam. Tampouco se preocuparam com o impacto orçamentário ou com os efeitos desse influxo sobre o andamento da carreira. A impressão que ficou foi que Lula ampliou o Itamaraty para Dilma humilhá-lo. 

Os mais vulneráveis ao assédio moral da ex-presidente foram os jovens diplomatas recém-ingressados, que tiveram sua formação e seu sentido de possibilidade profissional comprometidos pela desinteligência e pelo garrote orçamentário imposto por Dilma. 

Um dos maiores prejuízos à formação dos diplomatas foi a suspensão de uma viagem pelo Brasil que se realizava anualmente, na qual, com o apoio das Forças armadas, percorriam o país que iriam representar. 

Foi assim que conheci Ijuí, no oeste gaúcho, e Cucuí, no norte amazonense (sem contar Belém, Foz do Iguaçu, Natal, curitiba, Teresina...). Na minha formação como diplomata, as viagens pelo Brasil infundiram, como nenhuma outra experiência, perspectiva e sentido profissional. 

Diplomatas personificam e traduzem seu país no exterior. Para tanto, precisam conhecê-lo. Esse conhecimento é u, instrumento de trabalho. As viagens de estudos do Instituto Rio branco deveriam ser retomadas, porque a melhor maneira de conhecer a realidade brasileira - a que se representa no exterior - é aí no próprio Brasil. 

fonte: Folha SP    


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