quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Análise: Novos Desafios na Integração Sulamericana

Um recente informe da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), “Panorama Social da América Latina 2014”, mostra um dado preocupante. 
Nos últimos três anos os níveis de pobreza teriam deixado de cair na nossa região. 
Como esse estancamento deu-se na porcentagem de pobres sobre a população total, e esse denominador tem um crescimento vegetativo, significa que o número absoluto de pessoas na pobreza tem aumentado.
A queda continuada em números absolutos e relativos da pobreza na região era uma das marcas do ciclo de governos progressistas na América Latina, iniciado com o governo Chávez na Venezuela em 1999 e muito reforçado pelo governo Lula desde 2003. As Missões na Venezuela e o Bolsa Família no Brasil são referências nesta pauta. 
Mas há que se destacar que, para além de programas-estrela, tratou-se de um conjunto de medidas que impulsionavam a região para além da herança neoliberal dos anos 1980-90. Em vários casos vimos avançar a volta do mercado de trabalho formal, do aumento dos salários reais e da cobertura da seguridade social. 
Como resultado mais amplo também os indicadores de desigualdade social, medida pela renda, começaram a ceder.
O fenômeno detectado pelo informe da Cepal merece uma análise mais aprofundada e abrangente de que ainda não dispomos. Mas propomos a seguir alguns pontos de análise econômica e identificamos desafios políticos que se abrem para América Latina, em geral.
A crise do capitalismo central em 2008 pegou a região em uma fase intermediária. Muitos governos tinham iniciado políticas pós-neoliberais, no combate à pobreza e na recuperação do papel do Estado na economia e na sociedade, mas continuavam muito dependentes de um mercado mundial capitalista globalizado – tanto para financiar suas economias com exportações decommodities como para satisfazer seu consumo interno com produtos industrializados importados extrarregião. 
Podemos resumir na fórmula:  Fortaleza política interna graças a um eleitorado que reconhece que sua situação socioeconômica melhorou muito nesses anos, dificuldades econômicas externas pela vulnerabilidade frente às pressões do capital financeiro internacional.
Todo o questionamento feito desde o sindicalismo e os demais movimentos sociais ao projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na campanha vitoriosa desenvolvida entre 1997 e 2005 vinha acompanhado de uma proposição sobre a necessidade de uma nova arquitetura financeira regional. 
De fato, os governos ensaiaram alguns passos. Decidiram que o comércio intrarregional poderia se fazer sem o uso do dólar como moeda de trocas, bem como sobre a criação de bancos regionais fora do alcance das decisões dos países do capitalismo central, e também, a respeito de processos de cooperação e intercâmbio tecnológico e social. 
Porém, tudo isso foi muito pouco desenvolvido, seja no âmbito do Mercosul, da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) ou da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Faltou tempo, mas sobretudo faltou decisão política de se avançar aceleradamente neste rumo.
Os recentes acordos com a China para aceder a pacotes de investimentos e financiamentos permite aliviar a situação de nossos países, mas não resolve o problema estrutural da fragilidade de nossas economias quando dispersas e expostas às pressões do capitalismo central. 
A construção de graus maiores de autonomia econômica regional no contexto da nova geometria do poder mundial passa por uma construção econômico-financeira regional que está muito aquém das nossas necessidades.
Esse déficit econômico no processo da integração não elimina, no entanto, o fato de que a construção regional política tenha continuado e em ritmo bastante acelerado. A Unasul tem tido um papel chave em constituir uma política de defesa regional e afastar gradualmente a América do Sul da área de influência dos EUA. 
O Mercosul continua crescendo regionalmente e, depois do ingresso da Venezuela, Bolívia e Equador estão em processo de incorporação. A Celac já é uma realidade, depois de passar pela presidência pro-tempore de Cuba.
Essa construção política regional está por detrás da mudança de política diplomática do imperialismo norte-americano. Em 2009, Washington teve de aceitar que a Organização de Estados Americanos (OEA) retirasse as sanções impostas por esse organismo interamericano em 1962 a Cuba. Agora em 2015 vai ter de aceitar a presença do presidente cubano na “Cúpula das Américas” a ser realizada em Panamá em abril. 
A recente retomada pelos governo Obama-Raúl Castro das relações diplomáticas são outro indicador de que os avanços regionais obrigam a diplomacia norte-americana a uma disputa hegemônica mais no campo da política que da força – mas sem perder a grossura, jamais!, como mostra o assédio à Venezuela que, ao mesmo tempo, tem contado com o apoio da Celac contra as sanções norte-americanas.
A provável eleição do atual chanceler uruguaio, Luis Almagro, militante da Frente Ampla, para o cargo de Secretário-geral da OEA na próxima Assembleia Geral em junho de 2015 seria um ponto alto de mudança no terreno político. 
Finalmente teremos um diplomata de esquerda dirigindo a principal trincheira da política “panamericanista” – expressão da velha Doutrina Monroe de uma América Latina como “pátio traseiro” da hegemonia norte-americana – não como rendição do progressismo latino-americano, mas como expressão do recuo norte-americano.
Mas todos esses avanços no plano da política irão por água abaixo se o capital internacional e o governo dos EUA encontram uma região dispersa e fragilizada economicamente. 
É hora de a política conduzir a economia e acelerar a integração regional produtiva e financeira para resgatar definitivamente a dívida social com nossos povos !
*Rafael Freire é Secretário de Política Econômica e Desenvolvimento Sustentável da Confederação Sindical de Trabalhadores-as das Américas (CSA) e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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