segunda-feira, 6 de março de 2017

O novo chanceler e o xadrez político da política externa brasileira


























Guilherme Casarões
Estado de SP
3 março 2017


Depois de uma semana de impasse, o nome de Aloysio Nunes foi confirmado como o novo Ministro das Relações Exteriores. As especulações que antecederam a indicação deixaram claro que não se tratava de um nome de consenso: enquanto setores do PSDB preferiam ou José Aníbal, mais próximo a Geraldo Alckmin, ou Antonio Anastasia, da “bancada mineira” do governo, muitos torciam por alguém da carreira, ainda que ligado ao tucanato.
A indicação revela que o ministério transformou-se em reduto político do PSDB. Mais que isso: trata-se, hoje, da pasta mais importante a cargo da legenda, nas mãos da ala “serrista” do partido. Não deixa de ser um paradoxo, considerando as reiteradas críticas que os próprios tucanos fizeram à “partidarização” da política externa.
Mas sendo a política externa uma política pública como qualquer outra, ela está igualmente sujeita à correlação de forças que caracterizam o jogo político democrático, ainda que sob diferentes equilíbrios entre atores internos e externos.
É bem verdade que a política externa possui especificidades que dizem respeito a seu tempo (o horizonte de longo prazo), espaço (o sistema internacional) e meios (a diplomacia, corporificada na carreira própria do Itamaraty). Mas dois mitos comuns a esse respeito, muito repetidos no calor do debate político, devem ser desfeitos.
Ao contrário do que defendem José Serra e seus correligionários, não é possível falar em política externa sem ideologias. São elas que dão conteúdo ao que, no abstrato, convencionou-se chamar de “interesse nacional”. Mesmo que os operadores da política externa não se orientem por cálculos político-partidários, as grandes linhas de inserção global do país sempre possuirão lastro ideológico. E, em princípio, não há qualquer problema nisso.
Da mesma forma, na contramão dos críticos ao suposto “loteamento” tucano, a nomeação de políticos para a chancelaria não é um absurdo histórico. Foi expediente comum na Primeira República, na qual figuras ilustres como Quintino Bocaiúva ou Nilo Peçanha, que já havia sido presidente, ocuparam o cargo. Foi também a regra nos anos do pós-guerra, em que se destaca o legado universalista de Afonso Arinos e San Tiago Dantas, que pertenciam a partidos diametralmente opostos nos anos 1960.
Mesmo na Nova República, não se trata de novidade. Olavo Setubal e Abreu Sodré entraram pela cota do PFL na chancelaria de Sarney. A indicação de Celso Lafer, professor e jurista filiado ao PSDB, foi a maneira encontrada por Collor de aproximar-se do partido, nos estertores de seu mandato. O próprio Fernando Henrique Cardoso compôs, desde o Itamaraty, a cota tucana do governo Itamar Franco.
Os nomes, claro, não são comparáveis. A única coisa que os une é a filiação político-partidária. Mas a lição extraída é a de que um político no comando das Relações Exteriores não é exceção nem equívoco. Tudo dependerá, como de praxe, da capacidade do chanceler em exercer liderança sobre o serviço exterior, de sua habilidade de articulação com outros ministérios – cada vez mais crucial –, bem como do imprescindível alinhamento entre Planalto e Itamaraty.
José Serra acertou em um destes quesitos e falhou nos outros dois. Fez bom uso de seu capital político para recuperar o orçamento do MRE, dilapidado nos anos Dilma, e para redesenhar a chamada “diplomacia comercial”. Sua relação com o ministro Raul Jungmann proporcionou uma coordenação frutífera na área de Defesa.
Por outro lado, sua determinação em utilizar o Itamaraty como plataforma política para a corrida presidencial de 2018, amplamente frustrada pelo ritmo usualmente lento do labor diplomático, desgastou sua relação com os servidores da carreira, que esperavam dele maior engajamento com os temas substantivos da agenda internacional. A maneira como conduziu as relações com países sensíveis à política externa brasileira, como Venezuela e Israel, esbarrou nos interesses presidenciais.
Embora represente a continuidade política de Serra, Aloysio Nunes não enfrentará esses entraves. Sem as mesmas pressões eleitorais, terá a chance de resgatar o ativismo da política externa sem necessariamente rechaçar o legado universalista deixado pelos governos do PT.
Contando com a experiência acumulada em dois anos à frente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, poderá envolver-se integramente com temas importantes para a recuperação econômica do país, como a relação com os Estados Unidos ou com a União Europeia, no contexto incerto de profundas transformações políticas.
Em primeira análise, o sucesso do novo chanceler dependerá da superação de três possíveis entraves. O primeiro deles é seu temperamento, que muitos acreditam ser incompatível com a chancelaria. Neste caso, espera-se que o novo cargo seja capaz de moldá-lo ao tipo de conduta típica da diplomacia. O segundo é o peso das disputas partidárias, que não podem prevalecer sobre o pragmatismo necessário às escolhas estratégicas. Por fim, respondendo inquérito no STF por suposto ilícito na sua prestação de contas da campanha ao Senado em 2010, o novo chanceler terá que dar provas de sua probidade, para além da competência técnica.
Todo o resto estará condicionado aos imponderáveis ventos do mundo e a uma visão de longo prazo que se espera de todo chanceler – e que este governo, preso na areia movediça da crise política, ainda não conseguiu demonstrar.
Guilherme Casarões é professor de Relações Internacionais da FGV-EAESP e da ESPM

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