quarta-feira, 8 de março de 2017

A Política Externa pós-diplomática


























Dawisson Belém Lopes
Estado de São Paulo
2 março 2017


Em dias de corrida sucessória pela chefia de um dos ministérios mais antigos e complexos da República Federativa do Brasil, cabe fazer uma ponderação de feitio diagnóstico e outra de natureza prescritiva.
O desligamento de José Serra, primeiro chanceler da era Temer, poderia ter passado despercebido, dada a baixa densidade da gestão de política exterior durante os nove meses em que o senador paulista esteve no cargo.
Não obstante, arguo que não se deve tomar a queda do ministro pelo valor de face, mas pelo que carrega de conteúdo implícito. Tratou-se, isto sim, da ponta de um grande e profundo iceberg.
O estranhamento entre Serra e o Itamaraty, patente desde o princípio, é também metáfora para o desencaixe entre política externa e diplomacia no Brasil de hoje. Para o país recuperar a expressão internacional perdida, deverá ter clareza de que se trata de categorias distintas: a segunda corresponde a um meio para o exercício da primeira.
Trinta anos atrás, ao ser eleito presidente da República, Tancredo Neves dizia que a política externa conduzida pelo Itamaraty era uma “unanimidade nacional”. Hoje, o mantra tancredista dificilmente permaneceria de pé.
Se é verdade que o serviço exterior brasileiro ainda se destaca entre os congêneres ao redor do mundo por sua qualidade, o mesmo não se poderá dizer da capacidade do Ministério de Relações Exteriores de planejar a ação externa de médio e longo prazo.
Há muito, a principal burocracia diplomática brasileira perde capacidade de formulação. Em que pese a problemas reportados na sua organização interna, avultam, sobretudo, os constrangimentos políticos à sua ação.
Desde o regresso à democracia, a cena vem se alterando. Primeiro, porque há novíssimos temas na arena internacional. Em segundo lugar, pois não há unanimidade possível – aparentemente, nem sequer um consenso – entre os agentes com interesses manifestos na política externa.
Em um ambiente doméstico de multiplicação de “stakeholders” e polarização político-partidária elevada, o Itamaraty carece de lastro para liderar.
Esse não é um fenômeno isolado, diga-se. Nos EUA, o Departamento de Estado, embora dono da máquina diplomática e consular, não é o mentor da política exterior. Ele divide funções com um cipoal de agências – USAID, USTr, Departamento de Defesa, CIA, Pentágono, Forças Armadas etc. – e, naturalmente, com a Casa Branca e o Capitólio.
Por outro lado, é incomum que grandes potências mundiais mantenham diplomatas de carreira, com baixo apelo eleitoral, na posição de ministro de exterior. Vide as trajetórias contemporâneas de França, Reino Unido, Alemanha, Índia, Japão e EUA.
Parece importante, portanto, começarmos a nos preparar para uma política externa pós-diplomática. O Itamaraty, sempre um bom provedor de quadros para o Estado, continuará a sê-lo, ainda que sua competência deva circunscrever-se, cada vez mais, à implementação da política pública.
Outra hipótese é conceber o Ministério do Exterior como articulador entre as diferentes agências governamentais e posições sociais. Foi o caminho seguido, em larga medida, pelos legendários Foreign Office britânico e Quai d’Orsay francês.
Uma coisa é certa: se esse descompasso entre meios e fins não for logo resolvido, a vida política e o portfólio de realizações do próximo chanceler brasileiro não deverão superar em muito a média dos quatro anteriores.
Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparada da UFMG e pesquisador do CNPq, é o autor de “Política Externa na Nova República: Os Primeiros 30 Anos” (Ed. UFMG, 2017).


segunda-feira, 6 de março de 2017

O novo chanceler e o xadrez político da política externa brasileira


























Guilherme Casarões
Estado de SP
3 março 2017


Depois de uma semana de impasse, o nome de Aloysio Nunes foi confirmado como o novo Ministro das Relações Exteriores. As especulações que antecederam a indicação deixaram claro que não se tratava de um nome de consenso: enquanto setores do PSDB preferiam ou José Aníbal, mais próximo a Geraldo Alckmin, ou Antonio Anastasia, da “bancada mineira” do governo, muitos torciam por alguém da carreira, ainda que ligado ao tucanato.
A indicação revela que o ministério transformou-se em reduto político do PSDB. Mais que isso: trata-se, hoje, da pasta mais importante a cargo da legenda, nas mãos da ala “serrista” do partido. Não deixa de ser um paradoxo, considerando as reiteradas críticas que os próprios tucanos fizeram à “partidarização” da política externa.
Mas sendo a política externa uma política pública como qualquer outra, ela está igualmente sujeita à correlação de forças que caracterizam o jogo político democrático, ainda que sob diferentes equilíbrios entre atores internos e externos.
É bem verdade que a política externa possui especificidades que dizem respeito a seu tempo (o horizonte de longo prazo), espaço (o sistema internacional) e meios (a diplomacia, corporificada na carreira própria do Itamaraty). Mas dois mitos comuns a esse respeito, muito repetidos no calor do debate político, devem ser desfeitos.
Ao contrário do que defendem José Serra e seus correligionários, não é possível falar em política externa sem ideologias. São elas que dão conteúdo ao que, no abstrato, convencionou-se chamar de “interesse nacional”. Mesmo que os operadores da política externa não se orientem por cálculos político-partidários, as grandes linhas de inserção global do país sempre possuirão lastro ideológico. E, em princípio, não há qualquer problema nisso.
Da mesma forma, na contramão dos críticos ao suposto “loteamento” tucano, a nomeação de políticos para a chancelaria não é um absurdo histórico. Foi expediente comum na Primeira República, na qual figuras ilustres como Quintino Bocaiúva ou Nilo Peçanha, que já havia sido presidente, ocuparam o cargo. Foi também a regra nos anos do pós-guerra, em que se destaca o legado universalista de Afonso Arinos e San Tiago Dantas, que pertenciam a partidos diametralmente opostos nos anos 1960.
Mesmo na Nova República, não se trata de novidade. Olavo Setubal e Abreu Sodré entraram pela cota do PFL na chancelaria de Sarney. A indicação de Celso Lafer, professor e jurista filiado ao PSDB, foi a maneira encontrada por Collor de aproximar-se do partido, nos estertores de seu mandato. O próprio Fernando Henrique Cardoso compôs, desde o Itamaraty, a cota tucana do governo Itamar Franco.
Os nomes, claro, não são comparáveis. A única coisa que os une é a filiação político-partidária. Mas a lição extraída é a de que um político no comando das Relações Exteriores não é exceção nem equívoco. Tudo dependerá, como de praxe, da capacidade do chanceler em exercer liderança sobre o serviço exterior, de sua habilidade de articulação com outros ministérios – cada vez mais crucial –, bem como do imprescindível alinhamento entre Planalto e Itamaraty.
José Serra acertou em um destes quesitos e falhou nos outros dois. Fez bom uso de seu capital político para recuperar o orçamento do MRE, dilapidado nos anos Dilma, e para redesenhar a chamada “diplomacia comercial”. Sua relação com o ministro Raul Jungmann proporcionou uma coordenação frutífera na área de Defesa.
Por outro lado, sua determinação em utilizar o Itamaraty como plataforma política para a corrida presidencial de 2018, amplamente frustrada pelo ritmo usualmente lento do labor diplomático, desgastou sua relação com os servidores da carreira, que esperavam dele maior engajamento com os temas substantivos da agenda internacional. A maneira como conduziu as relações com países sensíveis à política externa brasileira, como Venezuela e Israel, esbarrou nos interesses presidenciais.
Embora represente a continuidade política de Serra, Aloysio Nunes não enfrentará esses entraves. Sem as mesmas pressões eleitorais, terá a chance de resgatar o ativismo da política externa sem necessariamente rechaçar o legado universalista deixado pelos governos do PT.
Contando com a experiência acumulada em dois anos à frente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, poderá envolver-se integramente com temas importantes para a recuperação econômica do país, como a relação com os Estados Unidos ou com a União Europeia, no contexto incerto de profundas transformações políticas.
Em primeira análise, o sucesso do novo chanceler dependerá da superação de três possíveis entraves. O primeiro deles é seu temperamento, que muitos acreditam ser incompatível com a chancelaria. Neste caso, espera-se que o novo cargo seja capaz de moldá-lo ao tipo de conduta típica da diplomacia. O segundo é o peso das disputas partidárias, que não podem prevalecer sobre o pragmatismo necessário às escolhas estratégicas. Por fim, respondendo inquérito no STF por suposto ilícito na sua prestação de contas da campanha ao Senado em 2010, o novo chanceler terá que dar provas de sua probidade, para além da competência técnica.
Todo o resto estará condicionado aos imponderáveis ventos do mundo e a uma visão de longo prazo que se espera de todo chanceler – e que este governo, preso na areia movediça da crise política, ainda não conseguiu demonstrar.
Guilherme Casarões é professor de Relações Internacionais da FGV-EAESP e da ESPM

sábado, 4 de março de 2017

Política Externa brasileira e a dança das cadeiras
























Política externa não está preparada para dança de cadeiras no Itamaraty

Matias Spektor
Folha SP - 2 fev 2017

Em 20 anos de regime militar, o Brasil teve seis ministros do Exterior. Nos 20 anos entre Collor e Lula, cinco. De Dilma para cá, entretanto, só passaram seis anos, mas já estamos no quinto chanceler.

A dança de cadeiras não é um problema em si. Em vários países, diplomata-chefe dura pouco: França, Índia, Israel e Reino Unido ilustram o ponto. A diferença é que, nesses países, as instituições são desenhadas para essa rotatividade.

Não é o caso do Brasil. Aqui, não existe uma instância do Palácio do Planalto para coordenar as atividades internacionais de ministérios, autarquias e empresas públicas. O Congresso Nacional não estabelece diretrizes diplomáticas nem determina os orçamentos necessários para persegui-las. A responsabilidade pela agenda externa recai, de forma desproporcional, sobre os ombros do chanceler.

O resultado disso é que o êxito ou o fracasso da plataforma diplomática de um governo depende, em grande medida, de energia, dinamismo, inteligência, esperteza, rede de contatos e capacidade de mobilizar apoio político do próprio ministro do Exterior.

Essa tendência é acentuada pela estrutura do Itamaraty. Apesar de ser uma máquina de quadros especializados e de carreira, a instituição padece de enorme "ministrodependência". Como seus funcionários não possuem peso político próprio, precisam de um ministro forte o suficiente para vencer as batalhas de praxe, dentro e fora de Brasília.

Além disso, a ascensão dos funcionários na carreira e a sua remoção para bons postos no exterior também dependem da anuência ou do empenho pessoal do chanceler, que termina virando centro de gravidade de toda a máquina.

Num passado recente, tal dependência era menor que hoje. Era comum que o chanceler convivesse com argumentos discordantes, expressos de maneira direta, no colegiado de embaixadores graúdos que chefiam as subsecretarias do ministério. A discussão podia ser acirrada a ponto de demandar intervenção presidencial, mas o espírito era colegiado.

Não mais. Em anos recentes, o subsecretariado foi sendo esvaziado, e o poder concentrou-se no gabinete do ministro. Discordâncias em temas substantivos podem permanecer sempre nas profundezas, reforçando ainda mais a centralidade do ministro. Sem ele, tudo trava. Por esses motivos, a dança constante de cadeiras é um problema. O sistema existente foi talhado para ter ministros longevos.

No curto prazo, o risco é atrasar, dificultar ou emperrar processos em andamento. 

No médio prazo, o risco é postergar, uma vez mais, o trabalho urgente de reajuste estratégico. Afinal, de Mercosul a Brics, de Venezuela a União Europeia, de programa espacial a controle de fronteiras, as áreas-chave da diplomacia brasileira demandam profunda renovação. 

fonte: Folha SP  

sexta-feira, 3 de março de 2017

Aloysio Nunes assume MRE


Aloysio Nunes é o novo Ministro das Relações Exteriores

3 março 2017
texto adaptado de Folha SP e G1

O presidente Michel Temer definiu que o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) será o novo ministro das Relações Exteriores.

O nome de Aloysio foi confirmado na tarde desta quinta (2) após uma reunião entre o tucano e o presidente no Palácio do Planalto.

Aloysio Nunes é o atual líder do governo do Senado e já presidiu a Comissão de Relações Exteriores da Casa.

Em 2014, ele foi candidato a vice-presidente da República na chapa formada com o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Na conversa com Aloysio Nunes, Temer disse ao senador que a nomeação dele é uma "solução natural" até porque Serra e o tucano são bem afinados.

Chegou a ser cogitada uma solução mais técnica para o Itamaraty, com o nome do diplomata Sérgio Amaral, atual embaixador do Brasil nos Estados Unidos, mas o PSDB avaliou que uma opção técnica daria leitura de enfraquecimento político do partido.

Integrantes da cúpula do PSDB fizeram chegar a Temer que o partido se sentiria valorizado com o nome de Aloysio por ser um quadro da legenda.


Alívio e Preocupação

A escolha do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) para o cargo de chanceler foi vista com alívio por integrantes da cúpula da diplomacia brasileira, mas o temperamento explosivo do novo ministro é considerado um foco potencial de problemas.

Diplomatas de alto escalão preferiam a chamada "solução externa" para o cargo neste momento, dado que o governo Michel Temer já encerra um caráter de provisoriedade –acaba em pouco mais de um ano e meio.

Se o escolhido fosse um nome "interno", como o bastante cotado embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, haveria a tendência de rearranjo mais amplo de postos de comando na pasta.

Como diz um experiente diplomata em tom debochado, "quem é da casa gosta de brincar de casinha".

Isso não travaria necessariamente negociações mais importantes, como as tentativas de estreitar a relação com o México na esteira da hostilidade de Donald Trump em relação aos vizinhos.

Mas como sempre é o chanceler que imprime a ênfase da política externa, a expectativa por mudanças poderia gerar perdas de oportunidades.

Até por ser um aliado histórico do seu antecessor, José Serra, Aloysio inspira continuidade. Ao menos inicialmente, a expectativa na pasta é de que o secretário-geral, Marcos Galvão, seja mantido no cargo –o segundo na hierarquia e o que lida com o cotidiano do órgão.

Aloysio deverá manter a linha de Serra: uma reorientação que afastou o Brasil dos regimes remanescentes à esquerda na América Latina, expulsou na prática a Venezuela do Mercosul e reforçou a área de comércio exterior.

PAVIO CURTO

É mais na forma do que no conteúdo que a chegada de Aloysio levanta reservas, mesmo entre os que não são viúvas do Itamaraty sob o PT; entre os que são, até a presença em missão oficial do então senador nos Estados Unidos após a Câmara aprovar a admissibilidade do processo de impeachment contra Dilma Rousseff serviu como "prova de golpismo".

O novo chanceler é conhecido pelo pavio curto, tendo protagonizado altercações públicas com adversários.

Como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Aloysio também ganhou fama pelo tom pouco diplomático de suas manifestações, em especial no que se refere aos países ditos bolivarianos.

Esteve à frente da comitiva que foi impedida de visitar um líder opositor na Venezuela em 2015, episódio que gerou uma pequena crise.

Se o temperamento é motivo de alguma apreensão, há a esperança de que Aloysio mantenha o prestígio político que Serra havia trazido para a pasta. Padrinhos ele tem: além do ex-chanceler, o presidente do PSDB, Aécio Neves, de quem foi candidato a vice-presidente em 2014.


Serra, além de revitalizar a área de comércio incorporando órgãos do setor e destravando cerca de 300 acordos pontuais que estavam parados no Palácio do Planalto, saneou a situação financeira mais emergencial da pasta, que havia passado a pão e água sob Dilma.

Na área administrativa, o desafio mais imediato é a crescente demanda salarial na pasta. 

No campo diplomático, como lidar com o errático governo Trump, a crise venezuelana e a negociação de pontes comerciais dentro e fora do âmbito do Mercosul.

fontes: . G1
            . Folha SP

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