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Expectativas para o governo interino na política externa
CARTA CAPITAL
Walter Antonio Desiderá Neto
31/05/2016
Nas análises sobre a política externa brasileira, entre os especialistas do assunto tornou-se de certa forma consensual o argumento apresentado por Lima (1994) de que o paradigma de inserção internacional que vinha sendo empregado pelo país desde o governo Geisel somente teve suas linhas gerais definidoras desafiadas pelo governo Collor.
Dessa forma, os pilares revistos foram: a visão do sistema internacional sob a ótica do realismo; a perspectiva da economia internacional sob a caracterização centro-periferia; e a ênfase das relações Norte-Sul na inserção externa brasileira, que se associava à busca de universalização das relações do país.
Elas então deram lugar a um novo paradigma que se pretendia modernizador. Com o objetivo de conquistar a credibilidade do Brasil perante as grandes potências, no contexto da redemocratização e do fim da Guerra Fria, Collor empreendeu uma política externa que tinha como prioridades: a abertura comercial; o incremento da produtividade por meio de privatizações; e a superação da visão Norte-Sul, tendo como eixo a relação especial com os Estados Unidos.
No caso do Mercosul, a agenda da integração, que vinha se formatando no governo anterior com traços desenvolvimentistas, com previsão de intervenção estatal setorial, reverteu-se para um processo de liberalização comercial generalizado, linear e automático.
De toda forma, como sabemos, a crise econômica e política nacional fez com que o governo Collor fosse nada mais que um breve governo. De acordo com o embaixador Paulo Nogueira Batista (1993), a empreitada do presidente no setor internacional tinha ocorrido de maneira voluntarista.
Quer dizer, o Itamaraty não participou ativamente nem da formulação e nem da execução dessa política externa. De certa forma, isso explica a intensidade com que se deram algumas rupturas.
Com o impeachment em 1992 e a chegada de Itamar Franco ao poder, este ímpeto de mudanças abruptas foi controlado. Foi devolvido ao MRE seu papel formulador da política externa.
Apesar de se manter muito do tal projeto modernizador, alguns ajustes importantes foram efetuados: retomada de posicionamentos típicos do terceiro-mundismo, em especial contra decisões com viés intervencionista em negociação na ONU no campo dos direitos humanos e do meio ambiente; redução do ritmo das desgravações tarifárias no Mercosul; ampliação da ideia da integração regional para toda América do Sul; revisão do alinhamento com os Estados Unidos; e retomada do universalismo (China, Índia, Rússia e países da África).
Sendo assim, a transição proposta pelo governo Itamar para o governo seguinte, no que se refere à política externa, caracterizou-se por buscar a estabilização, por se fazer com ajustes suaves e por estes se darem na direção da direita para a esquerda. Guardemos estas características e sigamos para 2016.
As linhas gerais da política externa do governo Dilma, de forma resumida, são as mesmas linhas gerais daquela de Lula. Porém, com ela parece ter havido uma elevação na prioridade dos BRICS, uma importância que talvez tenha se equiparado com a da integração regional, ou até mesmo a tenha superado – o tipo da coisa que não se pesa em balança.
De toda forma, quando chegou ao poder em 2003, Lula e seus assessores formularam uma ampla revisão da estratégia de inserção internacional do governo anterior, tendo como principal característica a ênfase na cooperação com parceiros do mundo em desenvolvimento.
Foram formadas coalizões, foi prestada e foi recebida cooperação técnica, científica e tecnológica e ampliaram-se as relações comerciais e de investimento com o Sul. Cúpulas América do Sul – Países Árabes, Cúpulas América do Sul – África, Fórum IBAS, G-20 da Rodada Doha da OMC, BRICS: a agenda do terceiro-mundismo foi atualizada para o século XXI.
Na América do Sul, a integração avançou para as dimensões social, política, participativa e distributiva, recebendo traços de governança regional – com destaque para a criação da Unasul.
Diante desse quadro, o que se deve esperar da transição a ser exercida por Temer? Primeiro, vamos coletar as informações disponíveis.
Comecemos pelo documento. Circula uma cartilha, “Uma ponte para o futuro”, na qual se define que é objetivo da eventual gestão do vice-presidente realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos de comércio com Estados Unidos, União Europeia e países asiáticos, “com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles”.
Segue o argumento de que a ideia é se integrar às cadeias globais de valor.
Vamos aos fatos. Uma vez rompida no Congresso a coalizão partidária que elegeu Dilma, Temer constrói uma nova. No centro dela está o partido do candidato que perdeu as eleições, o PSDB.
Aécio Neves, em sua campanha, havia criticado a política externa do governo atual em função de dois principais temas: a leniência do governo com alguns parceiros sul-americanos, que ele considera ditaduras (crise política na Venezuela; protecionismo argentino; e caso do senador boliviano); e a maneira que Dilma lidou com a espionagem que ela e a Petrobras sofreram dos Estados Unidos, para o candidato muito dura.
Existe na oposição uma visão de que o Brasil estaria se tornando uma república bolivariana, cada vez mais populista, socialista e antiamericana.
Enfim, analisemos a nomeação do ministro de relações exteriores. José Serra, senador pelo PSDB, vai certamente trazer a agenda programática de seu partido no que concerne à inserção internacional – a qual tem relação com as ideias que os protestos canarinhos trouxeram às ruas.
Além disso, de acordo com a reforma ministerial do presidente interino, a agenda do comércio exterior será absorvida pelo MRE, dando mais liberdade a Serra para seguir à frente com as propostas de assinar tratados de livre comércio mundo afora.
Portanto, de acordo com o que se tem em mãos, as expectativas para a política externa são de que Temer, com as parcerias que está estabelecendo, deverá fazer um giro profundo de suas linhas definidoras, enfatizando as privatizações (incluindo o setor de energia e “tudo o que for possível”), a abertura econômica e as relações com as grandes potências, podendo inclusive retroceder várias das novas agendas da integração regional.
Por outro lado, no cenário de escassez de recursos, não é provável que ele recue no projeto que envolve o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS.
Afinal, deve ser uma transição instável, abrupta e que se dará da esquerda para a direita. O oposto do análogo histórico direto. Um belo soco cruzado que vai deixar o país cambaleando.
Principalmente se as ações pró-mercado seguirem levando a uma apreciação da moeda brasileira, fator que trará dificuldades ao setor que tem capitaneado qualquer esboço de recuperação econômica no País: as exportações.
Walter Antonio Desiderá Neto é técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As ideias e opiniões expressas são de caráter pessoal e não refletem posições oficiais desta instituição. Escreve a convite do GR-RI.
fonte: Carta Capital
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